Na terça-feira, 14 de dezembro, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) decidiu que, entre 1972 e 1974, o Brasil foi responsável pelo desaparecimento forçado de pelo menos 70 camponeses e militantes da Guerrilha do Araguaia que combatiam a ditadura militar. A CIDH também concluiu que o Brasil violou o direito à liberdade de pensamento e expressão protegidos pelo artigo 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos ao negar às famílias das vítimas o direito de buscar e receber informação e de saber a verdade sobre o que aconteceu com seus entes queridos.
“A ARTIGO 19 aplaude a sentença da Corte Interamericana. Após muitos anos de busca em vão pela justiça, as famílias dos camponeses e dos guerrilheiros foram finalmente ouvidas. Essa é uma grande vitória para todas as famílias de pessoas desaparecidas no Brasil e ao redor do mundo. É uma vitória para o direito de saber e o direito à verdade e mais uma demonstração e consolidação do papel crucial desempenhado pelo direito à informação em assegurar todos os direitos humanos”, disse Agnès Callamard, diretora executiva da ARTIGO 19.
No caso apresentado pela Comissão Interamericana e outros, os peticionários afirmaram que o Brasil estava restringindo ilegalmente o direito das famílias de acessar informação com base em quatro argumentos: (i) não há razão legítima que justifique a não divulgação da informação sobre o caso; (ii) juízes e autoridades independentes responsáveis por avaliar as bases da não-abertura devem ter acesso à informação para tomarem uma decisão sobre a legitimidade do argumento; (iii) não saber a verdade sobre o que aconteceu a seus entes queridos e onde seus corpos estão enterrados é equiparável à tortura; (iv) o direito de liberdade de informação é essencial para garantir que as famílias exerçam seu direito a saber, à justiça e a reparações.
Os peticionários também afirmaram que o marco legal brasileiro para a proteção do direito à informação é inadequado e não corresponde aos padrões internacionais de liberdade de expressão e informação.
O Estado respondeu às alegações afirmando que documentos sobre as operações militares na região do Araguaia haviam supostamente sido destruídos e, portanto, não haveria informação disponível para ser repassada às famílias. O Estado também argumentou que sequer haja provas de que essa informação um dia existiu.
A Corte Interamericana decidiu que, em casos relacionados a violações de direitos humanos, confidencialidade com base em sigilo de Estado, segurança nacional e interesse público não pode ser usada para negar acesso a informações relevantes às autoridades judiciais e administrativas responsáveis pelas investigações .
A Corte também observou que o Brasil não poderia justificar seu fracasso em fornecer informação simplesmente argumentando que não há provas de que as informações requisitadas existam. Para cumprir suas obrigações internacionais, o Estado deve indicar todas as medidas tomadas para confirmar se a informação existe ou não ou algum dia existiu. Isso se dá para evitar uma incerteza legal em relação ao exercício do direito à informação.
A Corte reiterou que todos os Estados devem adotar todas as medidas necessárias para garantir acesso adequado à informação sob seu controle, inclusive por meio da adoção de legislação redigida de acordo com padrões internacionais. Esse marco normativo deve incluir o acesso a mecanismos de recursos e soluções efetivas em caso de conflitos. Regimes de acesso à informação devem funcionar pressupondo que toda informação detida pelo Estado é pública e acessível, sujeita a um regime limitado de exceções. Um procedimento adequado precisa ser criado para atender a pedidos de informação.
Nesse sentido, a Corte saudou a iniciativa do país de adotar uma legislação dedicada ao acesso à informação, que vai melhorar e fortalecer o marco legal de proteção ao direito de liberdade de expressão e informação no Brasil.
A ARTIGO 19 pede ao governo e legisladores brasileiros que demonstrem seu compromisso com a democracia e os direitos humanos, deixando para trás anos de repressão e sigilo:
- Implementando plenamente a decisão da Corte Interamericana e, em particular;
- Disseminando amplamente, pelos meios de comunicação de massa, o conteúdo da sentença interamericana;
- Fornecendo informação sobre o desaparecimento dos 70 camponeses e militantes da Guerrilha do Araguaia a suas famílias, incluindo as circunstâncias de seu desaparecimento e a localização de seus corpos;
- Buscando, sistematizando e publicizando informações sobre a Guerrilha do Araguaia, os anos da ditadura e, mais genericamente, sobre violações de direitos humanos, assegurando o livre acesso a essas informações;
- Garantindo que as famílias recebam apoio médico e psicológico, reparações e indenizações a que têm direito;
- Organizando um ato público reconhecendo sua responsabilidade no caso e tipificando o crime de desaparecimento forçado em legislação relevante;
- Aprovando o projeto de lei 41/2010, sobre acesso à informação, atualmente sendo apreciado pelo Senado.