Conselho de Direitos Humanos da ONU: O Início do Fim da Difamação de Religiões?

A ARTIGO 19 saúda o projeto de Resolução sobre o Direito à Liberdade de Expressão proposto por Egito e Estados Unidos na 12ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU (CDH) e clama pela adoção das seguintes emendas.

A ARTIGO 19 tem consistentemente condenado o conceito de “combate à difamação de religiões”, inclusive nas Nações Unidas, onde resoluções que defendem que religiões não devem ser criticadas são aprovadas há diversos anos.

Por anos, a questão domina os debates nacional e internacional sobre liberdade de expressão. Ela esteve e continua estando na origem de violentos embates nas ruas de muitas cidades ao redor do mundo. Ela também esteve no centro das negociações da ‘Conferência de Revisão de Durban’ de abril de 2009, e foi (erroneamente) usada por alguns Estados para justificar sua não-participação na conferência. Ela tem sido uma grande fonte de tensão nas Nações Unidas, em particular entre o bloco Ocidental e os Estados-membros da Organização da Conferência Islâmica, e passou a ser cada vez mais ligada e representativa do chamado “choque de civilizações”.

É nesse contexto que o mais recente projeto de resolução sobre liberdade de expressão introduzido por Egito e EUA deve ser analisado. A partir daí, a resolução é um salto extraordinário em particular por:

  • Diversos dispositivos do projeto de resolução fazem referência a “obrigações internacionais” dos Estados com a liberdade de expressão e muitos resgatam a redação específica dos artigos 19 e 20 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP)
  • O projeto insiste sobre a importância da liberdade de expressão, diálogos, debates e o papel da mídia no combate ao racismo, xenofobia e intolerância relacionada
  • O projeto inclui parágrafos específicos sobre mídia e conflitos armados e sobre proteção a jornalistas
  • E, mais importante, o projeto de resolução omite referências à difamação de religião.

O presente projeto de resolução segue, portanto, o espírito da Conferência de Revisão de Durban, em que delegados – ironicamente sem os EUA, que haviam se retirado – adotaram um Documento de Resultados final que reafirmou a importância da liberdade de expressão na luta contra o racismo, omitindo o conceito de difamação de religião, e buscou proteger os direitos de crentes individuais, ao invés de sistemas de crença.

Infelizmente, o projeto de resolução apresenta duas fraquezas principais:

  • Primeiro, inclui uma referência no Parágrafo 3º ao “estereótipo negativo de religiões”, um conceito vago e difícil que parece sugerir que sistemas de crença (ao invés dos fiéis) devam ser protegidos. O contexto do parágrafo também parece inferir que estereotipar negativamente religiões constituiria uma forma de discurso de ódio, um cenário improvável, já que o artigo 20 do PIDCP pretende proteger indivíduos ou grupos.
  • Segundo, o presente projeto de resolução faz referência específica a uma resolução contra a qual militaram defensores de direitos humanos de todo o mundo: a Resolução do CDH 7/36, que diluiu desnecessariamente o mandato da Relatoria Especial da ONU sobre Liberdade de Expressão quando requisitou que o Relator faça “relatórios sobre instâncias nas quais o abuso da liberdade de expressão constitua um ato de discriminação racial ou religiosa.” Conforme a ARTIGO 19 sustentou assim que a resolução 7/36 foi aprovada, a exigência vai contra o espírito do mandato de liberdade de expressão, é desequilibrada, desnecessária e pode ser mal-interpretada. Após sua adoção, ela foi usada para ameaçar a Relatoria Especial na sessão de junho de 2009 do CDH, quando o relator foi acusado de não cumprir os termos da resolução.

A partir do considerado acima, a ARTIGO 19 recomenda mais revisões ao projeto de resolução.

O texto é uma base sólida para buscar maior proteção para a liberdade de expressão dentro dos termos do regime de direitos humanos internacional. Entretanto, ele precisa de emendas para cumprir seu potencial de fortalecer a proteção e respeito pelo direito à liberdade de expressão e o direito à igualdade. Em particular:

  • A ARTIGO 19 recomenda que o texto da resolução seja emendado para que a referência no parágrafo 3 – “estereótipo negativo de religiões” – seja omitida, porque ela enfraquece a resolução em espírito e redação. Fiéis religiosos têm o direito de não serem discriminados com base em sua crença. Eles também têm o direito de serem protegidos contra violência e hostilidade. A atual redação do parágrafo 3º, porém, não fornece esse nível de proteção àqueles que dela mais necessitam.
  • Ao invés disso, o texto do projeto de resolução deve aproveitar a linguagem acordada na Conferência de Revisão de Durban, ou aquela proposta nos Princípios de Camden de “estereótipo negativo de indivíduos ou grupos com base em sua religião ou raça”. Esses novos termos não impactarão de nenhuma forma negativamente o direito de crentes de serem protegidos contra abusos. Pelo contrário, vai reforçá-lo.
  • A ARTIGO 19 também recomenda que referências específicas à Resolução do CDH 7/36 no projeto de resolução – em particular aquelas no PP1 e parágrafos 7º, 8º e 12 – devam ser omitidas.
  • Nos Comentários da ARTIGO 19 há recomendações adicionais que fortalecerão o texto da resolução.

O projeto de resolução de fato consegue mudar os termos do debate ao redor de difamação religiosa, tanto nacional quanto internacionalmente. As emendas propostas acima vão consolidar esses esforços e em particular garantir que o direito à liberdade de expressão e a equidade se fortaleçam mutuamente.

NOTAS PARA OS EDITORES (em inglês):

 

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