A ARTIGO 19 pede aos juízes eleitorais brasileiros que deixem de impor sanções a veículos de imprensa pela publicação de entrevistas e reportagens relacionadas às eleições municipais de outubro de 2008. Em uma série de decisões recentes, juízes eleitorais puniram veículos impressos que publicaram entrevistas com pré-candidatos às eleições. Essas decisões violam claramente o direito à liberdade de expressão, garantido pela ConstituiçãoFederal brasileira e pela legislação internacional.
“A imprensa exerce um papel muito importante ao informar o público sobre as eleições, garantindo que os cidadãos compreendam a posição dos candidatos e partidos. Proibir a publicação de entrevistas com candidatos prejudica a habilidade do público de fazer escolhas eleitorais bem informadas, prejudicando a democracia como um todo”, afirmou Agnès Callamard, diretora executiva da ARTIGO 19.
Um caso recente envolveu o jornal Agosto, uma publicação quinzenal da ONG Amigos Associados de Ribeirão Bonito (Amarribo), uma parceira da ARTIGO 19 que promove a participação da sociedade civil nas questões públicas e a transparência no governo de Ribeirão Bonito, no interior de São Paulo. O jornal publicou um perfil resumido de todos os pré-candidatos às eleições municipais, além de uma entrevista com um deles, que seria a primeira de uma série com todos os candidatos. Uma liminar da Justiça Eleitoral ordenou a apreensão de todos os exemplares do jornal e determinou à Amarribo que tirasse o jornal da internet. No dia 5 de junho de 2008, uma decisão da Justiça Eleitoral aplicou multas individuais de R$ 21.282 ao jornal, a seu diretor, à Amarribo e ao candidato entrevistado.
Este não é um caso isolado. A Editora Abril e a Folha da Manhã, que publicam respectivamente a revista Veja e o jornal Folha de S. Paulo, foram recentemente multadas por publicarem entrevistas com uma pré-candidata à prefeitura de São Paulo, que também foi multada por conceder a entrevista. Esta semana, o jornal O Estado de S. Paulo e a revista Veja foram alvos de uma representação na Justiça Eleitoral por publicarem entrevistas com o prefeito de São Paulo, pré-candidato à reeleição. Jornais no interior do país sofreram restrições semelhantes.
Esses casos estão baseados na legislação eleitoral brasileira, que proíbe qualquer tipo de “propaganda eleitoral” antes do início oficial da campanha política em 6 de julho de 2008; e em uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral segundo a qual “os pré-candidatos poderão participar de entrevistas, debates e encontros antes de 6 de julho de 2008, desde que não exponham propostas de campanha”.
A ARTIGO 19 considera que entrevistas com políticos, que tenham o objetivo de informar o público, não podem ser consideradas propaganda eleitoral, particularmente se são apresentadas de forma balanceada e informativa, auxiliando os cidadãos a fazerem escolhas eleitorais bem-informadas. Esse tipo de cobertura jornalística é central para a condução de eleições livres e justas. A noção de propaganda eleitoral deve estar restrita a materiais que tenham o objetivo específico de convencer o público a votar em um determinado candidato ou candidata.
As decisões geraram críticas de diversos setores no Brasil. O Movimento pelo Ministério Público Democrático divulgou uma nota defendendo que “jornais e revistas não precisam pedir a ninguém e podem, e devem, a qualquer tempo, antes, durante e depois de eleições, entrevistar pessoas, candidatas ou não. Quando assim procedem, contribuem para o fortalecimento da cidadania brasileira e dão vida ao direito fundamental à informação.” Em declarações recentes à imprensa, os presidentes do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral defenderam o direito da imprensa de informar o público sem estar sujeita a restrições indevidas.
A ARTIGO 19 pede aos tribunais regionais eleitorais que revejam imediatamente as decisões que restringem o acesso a informação e a liberdade de expressão antes das eleições municipais de outubro, e pede à Justiça Eleitoral que revogue quaisquer resoluções que possam resultar em restrições ilegítimas a esses direitos fundamentais.