Em 2015 e 2016, o Brasil passou por situações inusitadas para a liberdade de expressão e informação: em quatro oportunidades, decisões judiciais determinaram o bloqueio total do WhatsApp, deixando milhões de pessoas sem poder se comunicar por meio do aplicativo de mensagens instantâneas mais popular do país. Após os episódios, parlamentares passaram a propor diversos projetos de lei (PL) no Congresso Nacional visando regulamentar o bloqueio a sites e aplicativos em território nacional.
É com o objetivo de subsidiar os debates em torno desses projetos que a ARTIGO 19 lança hoje (7) a publicação “Bloqueios de sites e aplicativos no Brasil – Subsídios ao debate legislativo”, que visa apontar os principais riscos envolvidos nesse tipo de iniciativa à luz dos padrões internacionais de direitos humanos, pontuando ainda os parâmetros a serem observados no processo. O trabalho traz também uma análise dos quatro principais projetos de lei que tramitam tanto na Câmara quanto no Senado sobre o tema.
Para a ARTIGO 19, é bastante preocupante a possibilidade da aprovação de leis que institucionalizem medidas para o bloqueio de aplicações, que, por sua vez, devem ser sempre excepcionais e limitadas.
A publicação realça que medidas dessa natureza só podem ser aplicadas em situações extremas, respeitando ainda o chamado “teste das três partes”. Este por sua vez determina que medidas de bloqueio devem 1) estar previstas por lei, 2) ter um um objetivo legítimo (como no caso da proteção aos direitos relativos à infância) e 3) estar em conformidade com rigorosos testes de necessidade e proporcionalidade.
Outros critérios previstos pelos padrões internacionais também são apresentados, entre eles, a necessidade de que um bloqueio só ocorra após decisão judicial e a possibilidade de se contestar ordens de bloqueio ante um tribunal independente.
Projetos analisados
Os projetos de lei analisados foram o PL 5130/2016, de autoria do deputado João Arruda (PMDB-PR), e que conta hoje com o maior apoio e movimentação na Câmara dos Deputados pela aprovação; o PL 5204/2016, proposto na CPI dos Crimes Cibernéticos; o PL 3968/97, cuja versão em apreciação é o substitutivo apresentado pela relatora Renata Abreu (PTN-SP); e o PLS 200/2016, que possui tramitação bastante avançada no Senado, e cuja versão em apreciação é o substitutivo do senador licenciado Aloysio Nunes (PSDB-SP).
Segundo a análise, o PL 5130/2016 e o PLS 200/2016 são os que têm abordagens mais adequadas em relação aos padrões internacionais de direitos humanos, enquanto que o PL 3968/97 e o PL 5204/2016 representam ameaças reais à liberdade de expressão online no Brasil.
O ponto positivo do PL 5130/2016, nesse caso, é que ele elimina da legislação a possibilidade de aplicar o bloqueio de um site ou aplicativo como sanção. Medida semelhante também é prevista no PLS 200/2016, que propõe o estabelecimento de uma multa no lugar do bloqueio.
Já o PL 5204/2016 pretende permitir que aplicações de internet que estejam hospedadas no exterior ou não tenham representação no Brasil se tornem inacessíveis na rede quando vinculadas a um crime contra a honra. A medida, porém, possibilitaria a proliferação de episódios de censura na rede, uma vez que, em processos judiciais desse tipo, o Poder Judiciário tem se notabilizado por dar ganho de causa a figuras públicas em detrimento do direito à liberdade de expressão e informação, conforme a apuração da ARTIGO 19.
No caso do PL 3968/97, o escopo do projeto diz respeito à possibilidade de se aplicar o bloqueio de acesso a sites e aplicativos nos casos de violação de direitos autorais. No entanto, tal prática deve ser considerada uma restrição desproporcional à liberdade de expressão e informação uma vez que o tema não está enquadrado no âmbito das situações extremas na qual um bloqueio pode ocorrer.
Para a ARTIGO 19, é preciso lembrar que práticas de bloqueio on-line já são de antemão uma interferência no direito fundamental de qualquer pessoa de procurar e trocar informações e ideias. Ademais, considerando a atual dinâmica da internet, trata-se de medidas pouco efetivas, pois também não garantem que o conteúdo ou serviço bloqueado não será veiculado por outros meios.
Por fim, a ARTIGO 19 realça que toda iniciativa que visa permitir ou proibir a aplicação de bloqueios a sites e aplicativos no Brasil deve levar em consideração os padrões internacionais de direitos humanos, de forma a reconhecer que qualquer medida do gênero deve ser considerada como excepcional e jamais ser adotada antes de outras medidas menos danosas. Além disso, deve também sempre ser submetida ao teste das três partes, observando os parâmetros da legalidade, necessidade e proporcionalidade.