A 1ª Vara da Fazenda Pública do Tribunal de Justiça de São Paulo negou na última segunda-feira (10) o pedido liminar feito pela ARTIGO 19 para ter acesso ao conteúdo da diretriz conhecida como “Olhos de Águia”. O documento, elaborado pela Polícia Militar do Estado (PM-SP), traz normas sobre a coleta e armazenamento de imagens feitas por policiais durante manifestações de rua.
No último dia 4, a ARTIGO 19 havia entrado com um mandado de segurança na Justiça requisitando acesso à diretriz depois de ter quatro pedidos de informação negados ao longo de 2016 em diferentes instâncias.
A existência da diretriz “Olhos de Águia” foi descoberta pela entidade em 2013, durante uma primeira tentativa de conseguir detalhes, via Lei de Acesso à Informação, sobre a prática de filmagens em protestos por policiais. À época, a única informação cedida pela PM-SP foi o nome da diretriz.
Já em 2016, a ARTIGO 19 voltou a apresentar solicitações de acesso à diretriz “Olhos de Águia” à Polícia Militar (duas vezes) e a órgãos de instância recursal (Ouvidoria do Estado e Comissão Estadual de Acesso à Informação). Todos os quatro pedidos foram negados sob o argumento de que se tratava de informação sigilosa.
Encerrada a via administrativa, a ARTIGO 19 resolveu então acionar a Justiça para ter acesso à diretriz, mas viu novamente seu pedido ser negado, prevalecendo o sigilo.
Informação de incontestável interesse público
A decisão pela via judicial foi motivada pela série de violações cometidas pelas forças de segurança encarregadas de acompanhar manifestações e registradas pela ARTIGO 19 em seu monitoramento de protestos de rua realizado desde 2013. Observou-se, também, a recorrência de captação de imagens realizadas por policiais durante os protestos sem que se soubesse o objetivo de tal prática. Ainda hoje não se conhece formalmente o uso que a Polícia Militar faz destas imagens, embora haja denúncias da criação de bancos de dados de manifestantes e de intimidações contra pessoas filmadas.
Além disso, a diretriz “Olhos de Águia” constitui informação de incontestável interesse público, já que possibilita o conhecimento, por parte da população e da sociedade civil, das condições e hipóteses em que se pode ocorrer a captação de imagens em manifestações públicas, assim como dos limites impostos à PM-SP quanto a esta prática. A demanda ganha mais importância à luz do entendimento de que as manifestações de rua constituem espaços singulares para o exercício do direito fundamental à liberdade de expressão.
Outra questão que motivou a iniciativa da ARTIGO 19 diz respeito ao uso injustificado do sigilo de informações por parte da PM-SP. Tal postura entra em conflito com o princípio da publicidade e o espírito da Lei de Acesso à Informação.
“A ausência de transparência quanto aos padrões de atuação das forças policiais em protestos, como vem sendo exaustivamente demonstrado em diversos meios, é problemática na medida em que permite a perpetuação de um contexto de violações à liberdade de manifestação dos cidadãos”, afirma trecho do mandado de segurança, que também é assinado pelos advogados Rafael Valim e Gilberto Bercovici.
Outro trecho afirma que “a pressuposição de que (…) toda e qualquer informação relativa à segurança pública deve ser secreta é nociva aos princípios de transparência e à efetivação dos direitos fundamentais”.
A ARTIGO 19 lamenta a decisão da Justiça de indeferir o pedido liminar elaborado no mandado de segurança impetrado pela entidade, já que acredita que conteúdo da diretriz “Olhos de Águia” deve ser disponibilizado pela PM-SP o quanto antes, sob risco de que novas arbitrariedades ocorram em manifestações de rua.
Via cruci burocrática
- 12 de fevereiro de 2016: ARTIGO 19 entra com solicitação com base na Lei de Acesso à Informação junto à PM-SP para ter acesso à diretriz Olhos de Águia
- 14 de março de 2016: Após PM não responder pedido, ARTIGO 19 entra com recurso solicitando novamente a resposta
- 20 de março de 2016: PM informa que diretriz era sigilosa e envia Termo de Classificação de Informação (TCI), documento que justifica a não cessão de informações sob o argumento de sigilo.
- 30 de março de 2016: Diante da negativa, ARTIGO 19 interpõe recurso junto à Ouvidoria do Estado de São Paulo pedindo para que órgão obrigue PM-SP a ceder a informação requisitada
- 12 de abril de 2016: Ouvidoria requer que PM emita um novo TCI, ou disponibilize a diretriz Olhos de Águia
- 10 de maio de 2016: Ouvidoria aceita o TCI enviado pela PM e reafirma o sigilo da diretriz
- 23 de maio de 2016: ARTIGO 19 recorre à Comissão Estadual de Acesso à Informação para que intervenha no processo
- 05 de dezembro de 2016: Comissão Estadual de Acesso à Informação indefere recurso da ARTIGO 19
- 4 de abril de 2017: ARTIGO 19 entra na Justiça com mandado de segurança pedindo que conteúdo da diretriz “Olhos de Águia” seja tornado público
- 10 de abril de 2017: Justiça nega pedido liminar da ARTIGO 19
Foto: Fernando Banzi