Condenação de manifestante que mostrou os seios deve ser revertida

Mulheres protestam durante edição da Marcha das Vadias em maio de 2014, em São Paulo

 

A ARTIGO 19 protocolou no último dia 13 um amicus curiae (espécie de parecer técnico) para ser apreciado no julgamento do recurso movido pela manifestante Roberta da Silva Pereira, condenada em julho de 2016 em primeira instância a três meses de detenção pela prática de “ato obsceno em lugar exposto ao público”.

O processo que resultou na condenação foi aberto sob a alegação de que Roberta teria exposto seus seios durante protesto realizado pela Marcha das Vadias em junho de 2013, em Guarulhos (SP). A pena foi convertida em multa no valor de mil reais.

No parecer, a ARTIGO 19 defende que condenação de Roberta seja revertida, já que a medida viola o direito à liberdade de expressão e o direito de protesto. O texto do documento protocolado pela entidade se ampara em diversos padrões internacionais de organismos e convenções dos quais o Brasil faz parte ou é signatário, como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP).

“Uma condenação penal contra participante de protesto sob a alegação de que sua conduta  de  alguma  maneira  gerou  incômodos à  sociedade atinge  a própria   essência  do direito de protesto e, nesse sentido, representa uma violação aos direitos à liberdade de reunião e expressão”, afirma trecho do amicus curiae.

O documento ainda lembra que a nudez é uma forma legítima de expressar mensagens de protesto, sobretudo em manifestações conduzidas por grupos de mulheres. “A  mensagem   propagada,   no   caso  da   luta   contra   a   cultura   do estupro, é que a exibição dos seios, por exemplo, não tem como único contexto aceitável o sexual (…) Desta forma, a nudez parcial (…) contribui para a promoção do debate acerca da objetificação do corpo da mulher. Em outras palavras, faz parte do próprio núcleo de sentido do protesto empreendido pelo grupo.”

Outro ponto para o qual o amicus curiae chama atenção é a falta de necessidade da pena imposta, bem como seu aspecto desproporcional, que “agrava o efeito inibidor da liberdade de expressão, causado pelo receio geral de sanções legais frente ao legítimo exercício de direitos”.

Além da ARTIGO 19, a Cladem (Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher) também chegou a protocolar um amicus curiae apontando a ilegalidade da condenação.

“Nosso parecer se soma a outras iniciativas no sentido de trazer subsídios e argumentações que complementem e reforcem os pontos apresentados pela defesa da ativista. Por um lado, pretendemos mostrar que a condenação representa uma verdadeira afronta à nossa Constituição Federal e a tratados internacionais por violar direitos como o de protesto e à liberdade de expressão. Por outro, buscamos também sensibilizar o sistema brasileiro de Justiça como um todo, evidenciando o caráter emblemático desse caso e os impactos negativos para a luta de igualdade de gênero que uma condenação penal no caso de uma mulher que protesta mostrando seus seios significa”, afirma a advogada Camila Marques, responsável pelo amicus curiae.

A ARTIGO 19 espera que a condenação de Roberta da Silva Pereira seja revertida, o que corroboraria para que a nudez, assim como outras formas de protestos escolhidas por mulheres, seja reconhecida como uma expressão legítima de protesto no Brasil.

Foto: Oliver Kornblihtt – Mídia NINJA | CC BY-NC-SA 2.0

Icone de voltar ao topo