Dia dos Direitos Humanos: dados sobre violência contra LGBTIs no Brasil

 

O direito ao acesso à informação é um direito instrumental vital para a garantia de outros direitos humanos. No caso das pessoas LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros e Intersex), que são alvo de discriminação em todo o mundo, a existência de dados de qualidade e acessíveis sobre a violência a qual são submetidas é essencial para a formulação de políticas públicas que visem proteger seus direitos. Há uma antiga demanda dos movimentos sociais e da sociedade civil engajados na pauta para que se produzam e armazenem esses dados, a fim de visualizar com exatidão a dimensão da LGBTIfobia na atualidade.

No Brasil, poucos são os dados oficiais sobre a violência contra a população LGBTI disponíveis em Transparência Ativa (dados publicados de forma proativa pelos órgãos públicos). Em pesquisa feita nos sites de órgãos públicos, a ARTIGO 19 encontrou esse tipo de dado apenas no site do Ministério de Direitos Humanos (MDH), que periodicamente publica números sistematizados pelo Disque 100, um serviço que recebe denúncias de pessoas que tenham sofrido ou testemunhado violações. Inclusive, os dados são publicados de forma desagregada, o que permite uma análise dos dados específicos sobre a população LGBTI.

Mesmo a Diretoria de Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (DPLGBT), ligada ao MDH, não publica novos dados estatísticos acerca da violência contra esse grupo desde 2013, quando foi lançado o último “Relatório de Violência Homofóbica no Brasil”.

Diante desse cenário, iniciativas importantes de coleta de dados acabam surgindo por fora dos órgãos oficiais. Dois exemplos são o Grupo Gay da Bahia e o site “Quem a homotransfobia matou hoje?”, apontados como grandes responsáveis pela coleta de dados sobre mortes de pessoas LGBTIs em nível nacional.  O Grupo Gay da Bahia faz, há 37 anos, uma coleta de casos de morte disponíveis nos meios midiáticos, da qual resulta a produção de relatórios anuais.

Em novembro, a ARTIGO 19 realizou quatro solicitações à DPLGBT com base na Lei de Acesso à Informação com o intuito de levantar dados relativos às violações cometidas contra as pessoas LGBTI. Foram solicitados:

1) os “Relatórios de Violência Homofóbica no Brasil” de 2014, 2015 e 2016”;

2) o orçamento autorizado, empenhado e liquidado para o período 2012-2016 no Ministério de Direitos Humanos para pautas voltadas para a população LGBTI;

3) o número de funcionários no ministério engajados na pauta; e

4) as atas do Conselho Nacional de Combate à discriminação e Promoção dos direitos LGBT dos anos de 2015 a 2017.

Aproximadamente 20 dias depois, as solicitações foram respondidas pelo órgão. Segundo os dados entregues, a média do orçamento autorizado para a DPLGBT foi de R$6.039.772,80 ao ano, valor utilizado principalmente em repasses a Estados e municípios, apoio de centros e instituições de acolhida, custeamento de materiais gráficos, diárias e viagens, e auxílio financeiro a estudantes.

Veja a íntegra das solicitações e as respostas enviadas

Acesse os dados fornecidos

Observando a distribuição do orçamento ao longo dos anos, percebe-se que o montante destinado a 2016 (R$62.513) foi 99,7% menor do que o de 2012 (R$22.586.351). Mesmo se comparado ao orçamento do ano imediatamente anterior, 2016 apresentou uma redução de mais de 30 vezes do montante de 2015, que foi de R$1.850.000.

Ainda segundo os dados fornecidos, em 2016 as ações do MDH voltadas para o público LGBTI  simplesmente deixaram de existir ou não contaram com qualquer orçamento (com exceção dos repasses aos Estados), considerando a hipótese das informações serem corretas (pode ser o caso, ainda, de que em 2016 o orçamento não tenha sido devidamente registrado e que os dados não sejam exatos).

O cenário de aparente desinvestimento nos trabalhos ligados à população LGBTI a nível federal parece confirmar-se na existência de apenas quatro funcionários do MDH alocados para trabalhar na área em 2016. O órgão também afirmou à ARTIGO 19 que há enorme dificuldade em transcrever gravações, sistematizar e publicar as atas das reuniões devido à falta de recursos humanos. A estimativa do órgão é que esse trabalho esteja pronto até janeiro de 2018.

Dados do Disque 100

A Diretoria de Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais enviou os dados produzidos pelo Disque 100 a partir das denúncias de violência contra as pessoas LGBTI entre os anos de 2011 e 2016, separados em tabelas no formato PDF. Os dados estão discriminados por idade, gênero, raça/cor e orientação sexual das vítimas, assim como por tipo de agressão e por unidade federativa.

 

Denúncias em 2011

Total

2016 denúncias

Gênero

Feminino – 22,39%

Masculino – 73,13%

Não se identificou – 4,48%

Identidade de gênero e sexualidade

Não informaram – 89,88

Transsexuais – 2,30%

Travestis – 7,79%

Gays Lésbicas e Bis – 0%

Principal faixa etária

18 a 24 anos – 34,66%

Raça/cor

Branca – 38,39%

Parda – 36,15%

Preta – 8,54%

Tipo de violência*

Psicológica – 72,22%

Discriminação – 74%

Física – 36,67%

Sexual – 8,89%

Unidades Federativas com mais denúncias (por 100 mil habitantes)

Piauí – 3,43

Distrito Federal – 1,75

Maranhão – 1,02

Denúncias em 2016

Total

1318 denúncias

Gênero

Feminino – 23,67%

Masculino – 58,53%

Não se identificou – 17,89%

Identidade de gênero e sexualidade

Não informaram – 40%

Transsexuais – 8,12%

Travestis – 7,97%

Gays – 26,86%

Principal faixa etária

18 a 24 anos – 32,63%

Raça/cor

Branca – 25,27%

Parda – 25,72%

Preta – 9,94%

Tipo de violência*

Psicológica – 45,90%

Discriminação – 77,72%

Física – 20,52%

Sexual – 1,49%

Unidades Federativas com mais denúncias (por 100 mil habitantes)

Distrito Federal – 1,79

Paraíba- 1,17

Rio Grande do Norte – 0,88

 

Os dados disponibilizados permitem ter alguma ideia do cenário da violência contra as pessoas LGBTI no Brasil. Veja abaixo algumas das constatações:

  • A maioria das vítimas, segundo as denúncias, é composta por homens, possui entre 18 e 24 anos, e é dividida entre brancos e pardos
  • Ao longo dos últimos cinco anos, houve um crescimento no número de denúncias envolvendo mulheres, gays, lésbicas e bissexuais (em 2011, esse número foi de zero)
  • As denúncias feitas pos travestis e transsexuais se sobressaem: mesmo representando uma parcela muito pequena da população brasileira e da própria população LGBTI, em 2016, esse grupo foi responsável por 16,09% das denúncias
  • As principais formas de violência relatadas são de ordem psicológica, física e sexual
  • Geograficamente, os casos são predominantes na região nordeste (se ajustados à população dos estados), mas a distribuição varia bastante ao longo do tempo (a inconstância e variabilidade da violência contra essa população também foi atestada no relatório de 2016 do Grupo Gay da Bahia)
  • O Distrito Federal manteve-se entre as três unidades da federação com mais denúncias por 100 mil habitantes durante todo o período analisado

Ainda que tragam importantes noções acerca da violência contra as pessoas LGBTI no Brasil, esses dados referem-se apenas àqueles casos que são denunciados ao Disque 100. Vale lembrar que muitos ataques contra pessoas LGBTI são denunciados diretamente à polícia, a outras autoridades governamentais, ou sequer chegam a ser denunciados.

Esse raciocínio também vale para as compilações feitas com base em notícias na mídia, que, apesar de serem valiosos recursos num cenário de ausência de dados oficiais, ainda não são suficientes para conhecermos com mais exatidão as características dessa violência. Basta considerar que muitas das mortes de pessoas LGBTIs sequer são noticiadas.

No Dia Mundial dos Direitos Humanos, celebrado neste 10 de dezembro, é necessária a reflexão sobre a inexistência de dados completos e acessíveis acerca da violência praticada contra a população LGBTI. Para a ARTIGO 19, a produção e o acesso à informação são passos fundamentais para a garantia dos direitos desta população, e essenciais para que a discriminação e violência encontrem um fim num futuro próximo. Nesse sentido, é fundamental que o Estado brasileiro assuma essa responsabilidade, de forma a possibilitar a concepção de políticas públicas na área que tenham o máximo de impacto positivo possível.

*a soma das porcentagens é maior que 100% porque em cada violação pode ocorrer mais de uma forma de violência

Foto: Lan Pham

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