5ª Conferência Internacional de Dados Abertos em Buenos Aires

Em 2018, a ARTIGO 19 esteve na 5ª Conferência Internacional de Dados Abertos da #IODC, em Buenos Aires (Argentina).Um dos legados do encontro é um texto publicado no blog da World Wide Web Foundation. Com autoria da ARTIGO 19 e outras organizações, o texto compartilha descobertas de pesquisas, reflexões e desafios sobre acesso e uso de dados abertos. Também como as ferramentas disponíveis podem ser melhoradas na perspectiva de gênero em todo o mundo.

O evento acontece anualmente e reúne diversos setores para debater a importância dos dados abertos em suas múltiplas perspectivas.

Na 5ª Conferência Internacional de Dados Abertos em Buenos Aires, realizamos uma sessão para compartilhar descobertas de pesquisas, reflexões e desafios sobre acesso e uso de dados abertos – para determinar como essas ferramentas podem ser melhoradas para apoiar as mulheres em todo o mundo.

Desafios

Alfabetização e patriarcado

Nós discutimos muitos desafios, entre eles as questões de alfabetização, tanto do ponto de vista da técnica como da escrita, são endêmicas e desempenham um papel importante na desconexão de mulheres, especialmente mulheres de áreas rurais. Os desafios culturais em alguns contextos também afetam significativamente a capacidade das mulheres de acessar e usar dados abertos. Em sociedades mais patriarcais, não apenas as mulheres são privadas de acesso a ferramentas como telefones celulares e planos de internet, elas também não têm o poder de agir de forma significativa a partir dos dados que podem acessar – para tomar decisões na comunidade e se engajar em políticas. Por exemplo, no Mekong (e em toda a Ásia como no resto do mundo), as mulheres não costumam ocupar cargos suficientemente seniores, atingem o limite permitido de ascensão profissional já início de suas carreiras, e, portanto nunca estão em uma posição de poder suficiente para promover mudanças estruturais.

Há também uma falta de dados existentes sobre femicídios, LGBTQ+fobia e outras questões que afetam as mulheres e outras comunidades marginalizadas. A falta de acesso a informações críticas como essas enfraquece o sistema de justiça criminal, que não está gerando dados estruturados que possam ajudar os formuladores de políticas a lidar com os problemas existentes.

 

Estereótipos reforçam desigualdades: rompendo o mito dos setores “femininos”

As iniciativas de dados abertos precisam estar atentas para que, quando projetem seus programas, não reforcem as desigualdades de gênero existentes nos mercados de trabalho. Programas que advogam sobre transparência orçamentária, por exemplo, usando dados abertos podem facilmente obter informações sobre de mulheres em setores tradicionais de “cuidado” – saúde, educação, saneamento básico e meio ambiente – mas não em áreas onde os homens são tradicionalmente dominantes, como formulação de políticas, liderança, segurança e administração orçamentária. Isso gera um risco de que, mesmo quando as mulheres estão se envolvendo com dados, os estereótipos tradicionais estejam sendo replicados on-line.

 

Problemas de dados sistêmicos, a falta e a diversidade de dados disponíveis

O gênero tende a não ser um foco quando se lida com o racismo sistêmico. Estamos perdendo a interseccionalidade dos dados. É preciso solucionar aqueles casos em que a ausência de dados é total e também implementar políticas de dados ​​para determinadas grupos  demográficos (por exemplo: mulheres adolescentes indígenas).

Além disso, os dados desagregados são normalmente solicitados por grupos ou pessoas fora do governo. Perante isto, há uma necessidade de abordar o desequilíbrio social presente nas nossas comunidades. Há uma tendência que os espaços em que são discutidos dados abertos serem isolados, o que dificulta o estabelecimento de consensos e a movimentação frente questões complexas.

Na comunidade de dados abertos, há também desafios com o processo do  Open Data Charter Refresh. Para alguns, o Open by Default é opressivo porque pode comprometer o consentimento. Sua definição também não é universal, não há um consenso. Além disso, “publicar com propósito” enfatiza a intencionalidade, mas também pode significar que deixamos de fora muito mais por motivos que não são explícitos nem acessíveis.

 

Recomendações políticas

Apesar de os desafios serem muitos, recomendamos ainda muito mais formas de fazer com que os dados abertos funcionem para as mulheres no futuro.

Adote uma política de “bom por padrão”, publique independentemente do uso, para permitir que os usuários façam mais perguntas, inclusive sobre gênero.

–  Por exemplo, os dados de propriedade da terra podem ser usados ​​de forma mais eficaz quando apoiados por um programa institucional sensível ao gênero.

– Esforços de colaboração mais fortes entre os formuladores de políticas e a mídia em busca de discussões baseadas em fatos para o benefício do engajamento dos cidadãos no sentido de recuperar a confiança, especialmente nos governos.

Tecnologias de design e aplicativos que derrubam barreiras de alfabetização.

– Aplicativos que são considerados de baixa tecnologia e não exigem habilidades de leitura (por exemplo, baseados em imagem, como aplicativos visuais com desenhos animados).

– Torne os dados acessíveis a todos, independentemente da localização geográfica (por exemplo, áreas rurais e urbanas).

Envolva mulheres em processos de elaboração de dados, ao longo de toda a cadeia de dados aberta.

– Fortalecer o apoio a mulheres em grupos tecnológicos.

– Crie iniciativas e oportunidades de orientação.

– Gere estruturas para quebrar os desequilíbrios de poder, reduzindo os riscos e desafios para as mulheres se envolverem proativamente em processos de dados abertos.

– Por exemplo, na Colômbia, a desagregação de dados de aquisições por meio de esforços de contratação aberta para conduzir análises de gênero já foi iniciada.

Use as abordagens da ciência cidadã para diversificar os tipos de dados coletados em relação às questões das mulheres.

-Isso também significa que devemos ampliar a agenda de gênero e usar o processo dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (Sustainable Development Goals – SDG) para lançar oportunidades de coletar mais dados.

– Invista em abordagens de ciência cidadã para desenvolver a alfabetização.

Repensar os problemas urbanos e elevar o debate para identificar as causas da discriminação sistêmica.

– Combater a pobreza de dados e a falta de representatividade nos dados.

– O acesso a considerações éticas do governo é necessário (por exemplo, realizar avaliações internas de risco).

– Integrar vozes minoritárias nos processos de coleta de dados, incluindo etnias minoritárias, LGBTQ +, pessoas com deficiências.

Construa redes regionais e trabalhe na constituição de bancos de dados coletivos na América Latina, Sudeste Asiático, África, MENA.

– Use as redes sociais de maneira responsável e eficaz para divulgar nossa agenda.

–  Construa uma campanha para conscientização pública.

Uma vez que as mulheres estejam cientes dos benefícios de se envolver com dados, existe um forte incentivo para que elas se engajem no processo. Atividades significativas de capacitação são, então, de suma importância. Uma vez que as mulheres tenham perfurado o véu, torna-se mais fácil para elas atuar em oportunidades de engajar-se com o governo, defendendo uma melhor alocação de recursos, mais políticas responsivas a gênero, o reconhecimento das vozes e questões das mulheres.

* O texto foi escrito por Ana Brandusescu @anabmap, Nnenna Nwakanma @nnenna, Pyrou Chung @opendevmekong, Michael Canares @mikorulez, Jean-Noé Landry @opennorth, Henrique Goes @ARTIGO19 e Paulina Bustos @paulinabustosa para o site da World Wide Web Foundation (veja o original em inglês e espanhol)

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