Publicação narra casos de retaliações contra autores de pedidos de informação pública

Uma das principais contribuições da Lei de Acesso à Informação (LAI) para a promoção da transparência foi criar parâmetros e procedimentos para a apresentação de pedidos de informação a órgãos públicos. Entre outros pontos, a lei estabelece os prazos nos quais as informações devem ser fornecidas, determina quais delas podem ser classificadas como sigilosas e estipula instâncias recursais para os casos de informações que têm seu acesso negado ou que são cedidas de forma inadequada.

Porém, não são raros os casos em que a identidade dos requerentes acarreta reações inadequadas por parte de servidores públicos, criando uma série de dificuldades para a obtenção de dados. Nessa lista estão a sonegação de informações, episódios de constrangimento e até mesmo casos de perseguição.

É para jogar luz sobre esse problema que a ARTIGO 19 lança nesta terça-feira (15) a publicação “Identidade Revelada – entraves na busca por informação pública no Brasil”. O lançamento marca os seis anos de vigência da LAI, completados nesta quarta-feira (16).

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O mais novo trabalho da ARTIGO 19 traz os relatos de 16 casos, ocorridos nas cinco regiões do país, de pessoas que requisitaram informações junto a órgãos públicos e tiveram problemas por terem suas identidades expostas como autores dos pedidos.

São relatados casos em que os requerentes sofreram com atos de intimidação, constrangimento, perseguição, imposição de dificuldades no trâmite de pedidos de informação e exigências excessivas para a concessão de dados.

Um deles é o das jornalistas Kátia Brasil e Elaíze Farias, fundadoras da agência de jornalismo Amazônia Real. As duas foram alvo de uma notificação extrajudicial feita pela concessionária de saneamento básico Manaus Ambiental, que havia sido citada em uma reportagem publicada no site da agência. Antes, porém, a empresa se negou a responder diversos pedidos de informação encaminhados pelas jornalistas.

Sob o pretexto de finalmente conceder as respostas aos pedidos, e de posse do endereço da Amazônia Real, a concessionária enviou à sede da agência um oficial de justiça exigindo a retirada do ar, em até 72 horas, da reportagem na qual era citada. Para Brasil e Farias, a medida representou uma clara tentativa de intimidação.

Outro caso emblemático é o de Carlos Alcântara (nome fictício), colunista de uma rádio de uma cidade da região Sudeste. Após ter obtido e divulgado informações acerca dos projetos de lei municipais aprovados, Alcântara recebeu uma ligação intimidatória da assessoria de imprensa da Câmara de Vereadores local, insatisfeita com a iniciativa do colunista. Desde então, a assessoria passou a desqualificar o trabalho de Alcântara de forma recorrente junto à direção da rádio em que atua.

Já Camila Nóbrega foi vítima de intensa pressão psicológica por parte de assessorias de imprensa de órgãos municipais do Rio de Janeiro. Tudo porque a jornalista tentou conseguir, via Lei de Acesso à Informação, dados sobre a obra do BRT Olímpica para uma pesquisa sobre transparência.

Ao se negar em revelar a finalidade dos dados que buscava levantar – conduta que é protegida pela LAI – Nóbrega não só não conseguiu obter as informações requisitadas como também passou a receber uma série de ligações e emails das assessorias de imprensa que, de acordo com a jornalista, tinham como objetivo desgastá-la e intimidá-la.

Circulação de dados pessoais e cultura do sigilo

A publicação da ARTIGO 19 evidencia a existência de um considerável risco de discriminação no provimento de informações públicas em função da identidade do requerente, a qual, por sua vez, só é possível pela livre ou quase-livre circulação dos dados pessoais dos solicitantes entre servidores. O problema é ainda maior no caso de cidades menores, em que a pessoalidade costuma permear as relações entre a população e integrantes de órgãos públicos.

Outro elemento agravante é a “cultura de sigilo”, que contribui para que servidores encarem a busca por informações armazenadas e geridas pelo Estado de forma ofensiva e desconfiada, ao invés de reconhecerem sua natureza pública.

Na publicação, a ARTIGO 19 afirma ser imprescindível que o Estado brasileiro tome medidas no sentido de incidir sobre a forma como os dados pessoais de requerentes são compartilhados entre servidores, bem como sobre o comportamento destes no atendimento de pedidos de informação.

Entre as recomendações listadas, está a criação de instrumentos eletrônicos que possibilitem mecanismos de anonimização para preservar a identidade do requerente, restringindo o acesso de seus dados por qualquer servidor público, a criação de regulamentos internos de processamento de pedidos de informação que impeçam a circulação das informações pessoais dos requerentes, além de um treinamento contínuo dos servidores que lidam com pedidos de informação.

Todas as questões podem ser abordadas na Lei de Proteção de Dados Pessoais, cujo trâmite para aprovação é discutido atualmente no Congresso Nacional.

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