Alckmin e a cultura do segredo

Sob pressão, o governador de São Paulo recuou na decisão de manter documentos da polícia fechados por até 50 anos

FLÁVIA TAVARES COM ZÉ ENRICO TEIXEIRA

23/02/2016 – 15h21 – Reportagem publicada originalmente na edição 923 de ÉPOCA em 22 de fevereiro de 2016

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O governo de São Paulo flerta com a prática do segredismo. No início de fevereiro, publicou uma resolução que determinava 22 categoriasde informação das polícias Civil e Militar passíveis de serem mantidas em sigilo por um prazo que variava de 15 a 50 anos. Aplicava o mesmo critério usado em 2014, quando estabeleceu que documentos das estatais Sabesp, Metrô, Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU) deveriam ficar longe do olhar público por até 25 anos. Como na primeira ocasião, teve de recuar devido à gritaria de entidades de defesa da liberdade de informação e da iniciativa surpreendente do Tribunal de Contas do Estado, que decidiu fazer uma auditoria para checar se a decisão feria os princípios da Lei de Acesso à Informação. No fim da tarde de quinta-feira, o governador Geraldo Alckmin, do PSDB, assinou um decreto proibindo a classificação prévia de documentos do Estado como sigilosos.

O vaivém é revelador de quanto o governo paulista – e governos em geral – precisa ser pressionado para mudar de atitude. E adotar uma conduta comum a todo governo que se preza: a da total transparência, até como respeito aos cidadãos que o elegeram. Em outubro passado, após a experiência ruim de tentar ocultar documentos do Metrô e da CPTM justamente quando era investigada a prática de cartel e corrupção na compra de trens, a Comissão Estadual de Direito à Informação ficou encarregada de decidir os prazos de sigilo de documentos. A comissão é vinculada à Casa Civil – embora no site da secretaria não haja referência a ela. As atas e os nomes de seus integrantes estão no site do Arquivo Público de São Paulo. O presidente da comissão, Izaías Santana, que falaria a ÉPOCAsobre a questão da transparência, desmarcou a entrevista. “É coisa dele”, disse um assessor. Quem falou na tarde de quinta-feira foi o secretário de Segurança Pública, Alexandre de Moraes, titular da Pasta cujos sigilos causaram a repercussão mais negativa. Àquela altura, ele não sabia que seu chefe, o governador, preparava um decreto revogando tudo o que ele passara três dias defendendo.

O ponto mais controverso da decisão inicial definia que o “histórico de registro digital de ocorrência e boletim eletrônico de ocorrência, quando não for possível a proteção dos dados pessoais dos envolvidos e testemunhas” devia permanecer em sigilo por 50 anos. Segundo Moraes, o conteúdo dos boletins de ocorrência seria acessível; apenas os dados pessoais de vítimas e testemunhas, como nomes e endereços, seriam borrados ou retirados, para protegê-las. Mas a resolução desdizia o secretário: estipulava o sigilo de todo o documento e, a priori, sem uma avaliação caso a caso como prevê aLei de Acesso. “O texto não tem clareza, não define o que é exceção ou regra”, diz Marina Atoji, secretária executiva do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas. “Além disso, o critério escolhido para determinar o que deve ser sigiloso foi o mais restritivo possível.” Alexandre de Moraes argumentou que o critério que seria adotado pelo governo do Estado de São Paulo para divulgação de dados era o mesmo da Lei de Acesso à Informação (LAI), mas a metodologia de classificação do que é sigiloso é diferente. “A LAI determina que o sigilo seja analisado caso a caso e nós achamos melhor prefixar em lista essas exceções, para evitar a subjetividade de autoridades”, diz. Foi justamente essa prefixação que Alckmin proibiu com seu decreto final.

Em defesa do governo, Moraes insiste que São Paulo está à frente de outros Estados do Brasil. “Estamos apanhando por ser mais transparentes”, afirma. Ele está certo. Em geral, nos Estados brasileiros prevalece a cultura do segredo, pela qual o cidadão ou entidade que quer saber o que o governo faz é um chato ou um sujeito petulante. “O Executivo Federal é o que tem se adequado melhor à LAI, embora enfrente desafios”, diz Paula Martins, diretora executiva da ONG de defesa de direito à informação Artigo 19. Mas podemos aspirar ser como as nações mais desenvolvidas. A cidade de Dallas, nos Estados Unidos, publica on-line cada ocorrência criminal, com nome e endereço das vítimas, o policial que atendeu a ocorrência com o número do distintivo e os detalhes do ocorrido. Publica sem ninguém pedir.

As leis que garantem acesso à informação do governo começaram a surgir na década de 1960, mas sua disseminação é recente. “A implementação de leis de acesso à informação pública não se faz em um, dois, três anos. A transparência é um paradigma novo, só apareceu como palavra política nos anos 1990”, diz Gregory Michener, doutor em ciências políticas, professor da Fundação Getulio Vargas. Em 1990, havia apenas 12 leis de acesso à informação no mundo. No ano 2000, havia menos de 35 e, agora, há mais de 105. “Os governos estão resistindo porque o sigilo é um poder importante, um recurso político.”

Considerada avançada, a Lei de Acesso à Informação estabelece o princípio da transparência como regra e o sigilo como exceção. “Só se classifica a informação como sigilosa quando o risco for muito grande para a sociedade ou para o indivíduo”, diz Fabiano Angélico, especialista em transparência pública. “O Estado de São Paulo errou a mão em colocar sigilo no atacado.” Quando isso acontece, o melhor remédio é a pressão.

Fonte: http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2016/02/alckmin-e-cultura-do-segredo.html

 

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