Vivos os levaram, vivos os queremos!

Estudantes-Ayotzinapa

O México vive um período de extrema mobilização nacional por conta do desaparecimento de 43 estudantes da Escola Rural de Ayotzinapa, que viajavam para a cidade de Iguala, a 192 km da Cidade do México.

De acordo com testemunhas, os ônibus que levavam os alunos foram interceptados por policiais locais e homens armados, que dispararam contra os veículos. Seis pessoas morreram na hora, e desde então os 43 estudantes estão desaparecidos.

A suspeita é que o crime tenha sido cometido a mando do prefeito da cidade e executado por meio de uma aliança entre a polícia local e o cartel conhecido como Guerreros Unidos, que controla o tráfico de drogas no Estado de Guerrero, onde fica Iguala.

Desde então, milhares de mexicanos se lançaram em uma campanha para exigir que os 43 estudantes sejam encontrados com vida.

Entre diversos atos de solidariedade no mundo, está uma carta que foi redigida para colher assinaturas de organizações e indivíduos de fora do México. A carta exige o retorno com vida dos 43 estudantes, transparência na investigação, punição ao prefeito de Iguala, e a renúncia do procurador-geral da República e do governador do Estado de Guerreiro.

A ARTIGO 19 é signatária da carta. Seu texto pode ser visto na íntegra abaixo, ou então no site da campanha #ayotzinapasomostodos, onde também é possível ver a lista com os nomes de todas as pessoas e organizações que a assinaram.

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22 de Outubro de 2014.

Lic. Enrique Peña Nieto

Presidente da República

Lic. Miguel Ángel Osorio Chong

Secretário de Governo

General Salvador Cienfuegos Zepeda

Secretário de Defesa

Lic. Emílio Chuayffet Chemor

Secretário de Educação

Lic. Jesús Murillo Karam

Procurador Geral da República

Lic. Ángel Heladio Aguirre Rivero

Governador Constitucional do Estado de Guerrero

Dep. Silvano Aureoles Conejo

Presidente da Câmara de Deputados

Sen. Miguel Barbosa Huerta

Presidente do Senado

Ministro Juan N. Silva Meza

Presidente do Supremo Tribunal de Justiça

Dr. Raúl Plascencia Villanueva

Presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos

Às mexicanas e mexicanos

Às pessoas que desde fora do México acompanham os acontecimentos violentos recentes

À opinião pública

Aos 43 estudantes de Ayotzinapa desaparecidos, aos seus familiares e colegas,

Acadêmicos mexicanos e de diversas nacionalidades, radicados no estrangeiro, unimo-nos às vozes de preocupação pela violência que impera no México. Os acontecimentos ocorridos em Iguala, Guerrero, no dia 26 de setembro de 2014, são uma das suas manifestações mais execráveis na história do país. Não há palavras para expressar o horror e a raiva que sentimos pelo assassinato de seis pessoas, dentre elas três estudantes da Escola Normal “Raúl Isidro Burgos” de Ayotzinapa (um deles executado da forma mais selvagem), e pela desaparição, às mãos do governo e da polícia local, de outros 43 estudantes.

Solidarizamo-nos com as demandas de justiça e partilhamos a dor das famílias, amigos e colegas dos estudantes de Ayotzinapa. Indigna-nos profundamente que, perante a magnitude dos eventos, o governo mexicano ofereça declarações contraditórias e apresente resultados não só nulos, como, inclusive, mais preocupantes: as irregularidades da investigação aumentam a cada dia, sem que nada se saiba a respeito da prisão dos culpados ou do paradeiro dos 43 estudantes, ao mesmo tempo que muitas outras valas e muitos mais cadáveres têm sido descobertos. Qual é o tamanho das valas neste país? Quantos mais cabem nelas? Quantos aguardam o mesmo destino?

Até agora não se divulgaram os nomes dos presos nem as linhas de investigação. São lamentáveis a lentidão e a aparente negligência com as quais avançam as investigações. As mesmas autoridades têm obstaculizado a participação de um grupo de forenses argentinos especializados na identificação de cadáveres, e os pais dos desaparecidos têm se encarregado da busca praticamente sozinhos. Se o acontecido é por si mesmo terrível, a atitude geral dos órgãos do governo é uma afronta ao sentido de humanidade e à inteligência de quem à distância acompanha os fatos. Indigna-nos a forma como as autoridades mexicanas têm tratado esse grupo de estudantes, um dos mais vulneráveis do país.

A realidade que o México tem mostrado ao mundo é desapontadora. O caso de Iguala, junto com muitos outros acontecimentos nos últimos meses, deixa claro que não se pode falar mais de criminosos comuns, mas de uma criminalidade de representantes do governo tanto local, quanto estadual e federal, que por ação ou omissão permitiram que isto acontecesse e agora não parecem fazer o necessário para resolvê-lo e restaurar a confiança nesse mesmo governo. Não entendemos por que o governador de Guerrero não tenha se demitido ainda, e por que as autoridades federais concordam com esta situação. Todos sabemos que o governador estava a par da situação em Iguala – ele mesmo fez esta declaração, e afirmou que também o exército e a Procuradoria Geral da República sabiam disso. Nós perguntamos, então, quais outras situações de colusão entre o crime e o governo, que nenhum estado de direito poderia tolerar, são de conhecimento das autoridades?

Escrevemos porque o México e seu povo merecem muito mais do que isso: um verdadeiro estado de direito, justiça. Nenhum governo pode se permitir cometer, ou que sejam cometidos, atos de barbárie como os acontecidos em Ayotzinapa.

Por isso, exigimos:

  1. Aparição com vida dos 43 normalistas.
  2. Fim das represálias e intimidações aos estudantes da Normal de Ayotzinapa, e aos estudantes de maneira geral.
  3. Que o prefeito de Iguala ainda em licença, José Luis Abarca, e sua mulher, María de los Ángeles Pineda Villa, sejam imediatamente detidos, processados, e punidos no marco da lei.
  4. A demissão do procurador-geral da República, Lic. Jesús Murillo Karam, se for comprovado que tinha conhecimento das ações ilícitas do prefeito Abara e foi omisso a esse respeito.
  5. A demissão imediata de Ángel Aguirre Rivero, governador de Guerrero, como também a demissão do Lic. Iñaki Blanco Cabrera, procurador do mesmo estado, e de todos os membros do exército que tenham sabido, ocultado ou participado destas ações.
  6. Uma investigação confiável, real e transparente, com a participação de peritos e observadores internacionais, como a equipe argentina de Antropologia Forense.

Não pararemos nem deixaremos de insistir nesta e outras formas. Continuaremos atentos aos acontecimentos e ampliando as redes de informação entre colegas, estudantes e amizades no México e no mundo inteiro. Não podemos permitir que massacres como aquele do movimento estudantil de 1968, ou a perseguição e aniquilamento de povoados camponeses como Acteal e Águas Blancas aconteçam de novo. Ayotzinapa atravessou um limite que não deveria ter sido nunca ultrapassado. Somamos a nossa indignação e a nossa solidariedade àquela dos estudantes normalistas mexicanos e das famílias deles.

Gostaríamos que os 43 estudantes pudessem ler esta carta também algum dia. É a eles que ela está dirigida, mas também a todos aqueles enterrados em valas clandestinas que não cessam de ser descobertas, àqueles que merecem muito mais do que uma carta e um protesto. Eles merecem o esforço todo deste governo e dos cidadãos dentro e fora do país. Devemos assumir a nossa responsabilidade diante desta situação inaceitável, e exigir, sem descanso, justiça, um verdadeiro estado de direito, uma política ao serviço e proteção da cidadania, e total transparência nas ações de funcionários e representantes da nação. Cada desaparecido e cada assassinado por criminosos militares ou policiais representam uma perda incalculável para o nosso país. Ayotzinapa nos dói muito profundamente a todas e todos aqueles que assinamos esta carta. Por eles e pela gente exigimos justiça.

Vivos os levaram, vivos os queremos!

#AyotzinapaSomosTodos

#WeAllAreAyotzinapa

#JusticeForAyotzinapa

#JusticiaAyotzinapa

#JustiçaParaAyotzinapa

 

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