O vídeo e os direitos humanos

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Advogados, comunicadores e representantes da sociedade civil de vários estados se reuniram no último dia 16 em São Paulo para o seminário “Vídeo Como Prova Jurídica na Defesa e Promoção dos Direitos Humanos no Brasil”, promovido pela ARTIGO 19 e pela WITNESS.

O evento discutiu como o registro em vídeo pode ser usado de forma estratégica por ativistas de direitos humanos, trazendo à tona alguns casos emblemáticos.

Organização especializada em promover o uso de vídeo como ferramenta de defesa e promoção dos direitos humanos, a WITNESS foi apresentada por Priscila Néri, que lembrou que a popularização dos celulares com câmeras permite hoje uma “contravigilância popular”. “No passado éramos vigiados, agora temos a capacidade de vigiar de volta”, afirmou, lembrando ainda que uma das poucas esperanças de que haja algum tipo de responsabilização em crimes cometidos pela polícia no Brasil é a existência de um vídeo que consiga gerar repercussão e trazer provas incontestáveis sobre o crime.

Kelly Matheson, também da WITNESS, mostrou casos da Síria, Congo e Sérvia, nos quais o registro em vídeo teve um papel fundamental, do ponto de vista jurídico, para a responsabilização de violações a direitos humanos em tribunais internacionais.

Representando o núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública, Rafael Menezes exibiu um vídeo de um jovem hospitalizado após troca de tiros com a polícia, e com um curativo cobrindo todo o rosto, sendo torturado psicologicamente por um policial militar. Segundo o defensor, vídeos como esse produzidos pelos próprios membros da polícia têm sido cada vez comum nas redes sociais, mas poucas investigações consistentes são realizadas para apurar a violação.

Já Daniel Biral, do coletivo Advogados Ativistas, mostrou o vídeo que registrou o episódio em que ele e a advogada Silvia Daskal foram presos apenas por terem questionado a falta de identificação policial durante um ato-debate na Praça Roosevelt, em São Paulo.

Quem também esteve presente no seminário foi Fabiana Paranhos, da Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, que falou sobre os documentários “Uma História Severina” e “Quem são elas?”, produzidos pela própria Anis, e que contam histórias de mulheres grávidas de fetos anencéfalos. Paranhos relatou sobre como os vídeos contribuíram para sensibilizar os ministros do Supremo Tribunal Federal a aprovarem a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 54, que descriminalizou a interrupção da gravidez em casos de fetos anencéfalos.

Bruno Paes Manso, jornalista e pesquisador do Núcleo de Estudos de Violência da USP, exibiu o vídeo produzido pela Ponte Jornalismo que comprovou a inocência de José. Adolescente, negro e preso sem ter cometido crime algum, José foi solto depois que as imagens produzidas pelos jornalistas foram publicadas.

Outros vídeos

A ARTIGO 19 apresentou a pesquisa que realiza junto à WITNESS sobre o uso do vídeo como prova jurídica. A organização mencionou a legislação brasileira atual, que traz pouquíssimo parâmetro para o uso do vídeo como prova em um processo judicial, que assim acaba ficando sujeito aos dispositivos gerais de qualquer tipo de prova. “No Judiciário, não se verifica padrões de análise sobre vídeos. E isso, por uma via é bom porque possibilita que qualquer tipo de vídeo seja considerado prova, como vídeos feitos por celulares, uma vez que não há critérios que possam ser restritivos, mas também ruim, por gerar insegurança jurídica já que o juiz pode desconsiderá-lo alegando que não há fé pública, por exemplo.”

Na sequência, Flávio Siqueira, da Conectas, exibiu vídeo em que um coronel da Polícia Militar de SP assume estar realizando prisão para averiguação durante um protesto, prática que é ilegal. Patrícia Bonilha, do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), mostrou imagens de uma audiência pública em que deputados da Frente Parlamentar da Agropecuária convocam ruralistas a formarem grupos armados para se proteger de indígenas.

Vindo de Fortaleza, Leonardo Vasconcellos, do coletivo Urucum, falou do projeto Na Rua, que se propõe a documentar as manifestações de rua na capital cearense. Fabiana Paranhos, da Anis, falou de novo, e exibiu trechos do documentário “A Casa dos Mortos”, sobre a situação degradante de um manicômio judiciário em Salvador. “A partir da exibição do filme, os manicômios passaram a fazer parte dos mutirões carcerários”, contou.

Do Rio de Janeiro, o colaborador da WITNESS Victor Ribeiro relatou sobre o trabalho junto a midiativistas e comunicadores de favelas da cidade para documentar violações de direitos humanos, principalmente após a instalação das UPPs (Unidades da Polícia Pacificadora). “É importante que os organismos públicos e ONGs deem encaminhamento direto para esses vídeos, e que eles não fiquem somente no YouTube”, opinou.

Ao fim do seminário, Raull Santiago, do Coletivo Papo Reto, baseado no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, contou sobre a atuação dos comunicadores no complexo de favelas, onde “moradores vivem o confronto o tempo inteiro”. Raull falou da rede que se formou entre os moradores, que utilizam celulares e redes sociais para circular relatos, fotos e vídeos de violações que acontecem dentro do Complexo. “A gente faz uma comunicação de sobrevivência.”, afirmou.

Ainda que o uso do vídeo como prova jurídica se configure como um grande desafio para advogados e defensores de direitos humanos, a perspectiva de se conseguir a responsabilização em alguns casos de violações de direitos humanos gera esperança.  E otimismo. Nesse sentido, o tratamento que o Judiciário dá a esse tipo de prova deve ser acompanhado de perto.

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