Em São Paulo, transporte sem transparência

MEtrÔ SP - Gabriel da Sobreira

Todos têm direito de receber dos órgãos públicos informações de interesse coletivo ou geral. Esse é um direito fundamental, resguardado pela Constituição Federal de 1988. O acesso a informações públicas é garantido para a promoção da transparência, da participação, do controle social e combate à corrupção e ao desperdício causado pela má gestão.

Conhecer os planos e gastos do Estado e acompanhar a execução de projetos e obras de governos é elemento central do exercício da democracia. Democracia se faz com informação.

Imaginar que o andamento de obras para ampliação do sistema de transporte público de São Paulo seja informação que possa ser mantida em sigilo é algo que, de imediato, afronta o espírito da Constituição e da Lei de Acesso à Informação (LAI) de 2011. A LAI deixa claro que, em relação às ações do Estado, a publicidade deve ser a regra, e o sigilo, a exceção. Além disso, a lei indica que informações de relevante interesse público devem ser divulgadas independentemente de solicitação. Indica ainda que, por ela, está garantido o direito de obter “informação pertinente à administração do patrimônio público, utilização de recursos públicos, licitação, contratos administrativos”.

Assim, vemos com grande preocupação a recente classificação pelo Governo Estadual de documentos sobre as obras de ampliação da rede de transporte metropolitano, informação veiculada pelo jornal Folha de S. Paulo (bit.ly/1VDLEzo) na última terça (06).

A classificação de documentos como ultrassecretos, grau máximo previsto na LAI e que determina sigilo de 25 anos, é uma ferramenta que deve ser usada apenas em situações excepcionais. O artigo 23 da LAI e o artigo 25 do Decreto 7.724 determinam que são passíveis de classificação as informações “consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado”. A interpretação desses termos deve ser feita de forma restritiva, tendo em vista a aplicação da confidencialidade apenas nas hipóteses de risco real, iminente e de considerável impacto para a população. Mesmo em relação a tais casos, a classificação sempre pode ser objeto de questionamento no caso concreto, quando se verifique que o interesse público na divulgação se sobrepõe ao interesse público resguardado pelo sigilo, caso em que pode ocorrer a desclassificação. Importante salientar que a exceção prevista pelo artigo 23 da LAI tem por finalidade proteger a sociedade, não a reputação de políticos ou partidos.

Podemos afirmar, portanto, que o sigilo em grau “ultrassecreto” foi aplicado pelo Governo Estadual de maneira desmedida, em uma quantidade desproporcional de documentos – 157 conjuntos de documentos, cada um deles podendo conter milhares de páginas, segundo a Folha de S.Paulo -, cujo teor dificilmente está contemplado pelas condições de classificação previstas na legislação. O jornal afirma que os documentos classificados tratam de estudos de viabilidade, relatório de acompanhamento de obras, projetos, boletins de ocorrência da polícia e até mesmo vídeos de campanhas do Metrô de São Paulo. A LAI determina que este tipo de informação é pública e deve estar ao alcance dos cidadãos e cidadãs para que haja efetivo controle social da administração do Estado.

O processo de classificação de informações, que deveria ser usado exclusivamente para proteger informações sensíveis à segurança da sociedade e do Estado, foi, portanto, aplicado de forma inadequada. Restringir o acesso a tamanha quantidade de documentos de interesse público é uma decisão que reforça a postura de naturalização do sigilo que a LAI procura combater.

A banalização da classificação de informações públicas reforça a cultura em que o sigilo é a regra e a transparência, a exceção – na contramão da LAI. Por isso, a ARTIGO 19 se manifesta favorável à revisão deste procedimento e pela desclassificação desses documentos, conforme se comprometeu o governador do Estado na sequência da denúncia feita pela Folha de S.Paulo. O acesso à informação pública é um instrumento fundamental para a garantia de outros direitos fundamentais e para a construção de uma sociedade mais democrática e justa.

 

Foto: Gabriel da Sobreira

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