Em seminário, organizações defendem que acordo regional sobre Princípio 10 seja vinculante

Seminário Democracia Ambiental
Evento contou com a presença do negociador brasileiro para o Princípio 10, Bernardo Macke (de gravata)

A natureza jurídica do acordo que está sendo costurado em torno do Princípio 10 entre países da América Latina e Caribe foi um dos principais temas de debate do seminário “Democracia Ambiental no Brasil e o Acordo Regional do Princípio 10”, que aconteceu no último dia 3, em São Paulo.

O evento foi organizado pela ARTIGO 19, Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola), e GovAmb/USP (Laboratório de Governança Ambiental da Universidade de São Paulo), e contou com o apoio do FBOMS (Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento).

O Princípio 10 é parte do documento final da Eco-92, e define o compromisso dos governos em garantir o acesso à participação, à informação e à justiça nas questões ambientais. Após a Rio+20, realizada em 2012, um pacto entre diversos países foi firmado para a elaboração de um instrumento que vise a implementação na América Latina e Caribe do Princípio 10. Atualmente, esse documento está em processo de discussão, facilitado pela CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe).

Escalada para a mesa “A construção do acordo regional sobre o Princípio 10”, a diretora-executiva da ARTIGO 19, Paula Martins, defendeu que o acordo final tenha caráter vinculante, ou seja, que tenha força de lei nos países que o assinarem. “Para que seja algo a mais, para que se caminhe no processo daquilo que já existe para algo mais forte, precisamos que esse seja um documento vinculante”, disse.

Martins fez ainda um histórico sobre todo o processo, e expôs os demais posicionamentos da ARTIGO 19 sobre o acordo. Segundo ela, o documento não deve regredir em relação a documentos internacionais anteriores, e os três direitos – ao acesso à informação, à Justiça, e participação social – devem ser interdependentes entre si. “Também defendemos que o acordo detalhe um mecanismo de implementação do Princípio 10, e que se baseie em um processo de capacitação e cooperação mútua entre os países”, afirmou.

Seguindo o mesmo discurso, Renato Morgado, do Instituto Imaflora, reforçou a defesa de um acordo vinculante. “Um documento que seja de adesão voluntária é interessante, mas é redundante em relação a outros documentos e diretrizes que já existem. Não traz obrigações internas, e aí a gente cai em mais um acordo ao estilo ‘carta de intenções’, que acaba sendo muito fraco, e falta à sociedade ter instrumentos legais para cobrar o cumprimento do acordo por parte do Estado”, disse.

Morgado também falou sobre carta enviada à CEPAL e ao governo brasileiro, assinada por mais de 27 organizações da sociedade civil, que reconhece os esforços dos governos da América Latina na área de políticas ambientais, mas que afirma a necessidade de se avançar muito, sobretudo nos processos decisórios que ainda carecem de participação social. “Uma sociedade sustentável é de uma democracia intensa, de forma que a sociedade participe amplamente dos debates e decisões públicas”, defendeu (podemos colocar link para cartas).

Presente ao seminário, Bernardo Macke, representante do Itamaraty nas negociações do acordo do Princípio 10 na CEPAL, disse que a discussão sobre o caráter vinculante do acordo não é foco de preocupação do governo brasileiro. “Temos evitado condicionar a discussão do conteúdo à discussão da natureza porque isso limita a ambição. No momento em que definimos que um documento é vinculante, isso pode gerar resistência em desenvolver o debate”, ponderou.

Macke, no entanto, revelou que o governo brasileiro não é avesso à ideia, e que está ainda comprometido para que o novo acordo não recue em relação a documentos anteriores que abordaram o tema. “A não regressão também é muito importante para nós. Não estamos dispostos a discutir um novo instrumento regional que esteja aquém de algo com que já nos comprometemos”, afiançou.


Acesso à informação e meio ambiente

Falando na mesa “Democracia Ambiental no Brasil: desafios e perspectivas”, a professora da UFABC e pesquisadora do GovAmb, Vanessa Empinotti, apresentou os resultados de um estudo que analisou as informações disponíveis nos sites de órgãos de gestão ambiental estaduais de todo o Brasil. “Fizemos o que chamamos de ‘mapa da transparência’. Criamos um índice de 0 a 100, elaboramos um questionário e levantamos informações em seis tópicos principais que estariam disponíveis nos órgãos gestores”, explicou.

Os estados com mais informações disponíveis foram Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santo. Já na última posição, ficou o Amazonas. A pesquisadora fez ainda críticas sobre o déficit na transparência constatado. “Muitos dados não são disponibilizados com antecedência e isso é um problema para processos que envolvem tomadas de decisão”.

Silvia Capelli, promotora de Justiça no Rio Grande do Sul, falou sobre a experiência da Rede Latino-americana do Ministério Público Ambiental, da qual é coordenadora. “A rede tem 200 membros, de 19 países, e por meio dela fazemos intercâmbio de informações e capacitamos para atuar em questões comuns. Também já fizemos cinco congressos internacionais, e publicamos quatro livros”, contou.

A promotora criticou a capacidade de fazer valer a legislação ambiental dos países latino-americanos. “Não adianta nada que na América Latina os países tenham constituições com capítulos ambientais, se não houver mecanismos adequados e efetivos para o acesso à Justiça”.

Falando pelo FBOMS, Rubens Born se manifestou sobre a importância do Princípio 10 para a sociedade. “Nós queremos acesso à Justiça, à informação e participação social porque queremos construir sociedades justas e ambientalmente responsáveis”, disse.

Born destacou ainda a necessidade de qualificar a atuação da sociedade nos espaços de participação social. “Se não tivermos capacidade para incidir qualitativamente no que está sendo apreciado, não vamos alterar a forma como as coisas sempre foram tocadas, o business as usual, e vamos acabar referendando decisões sobre hidrelétricas e políticas de transgênicos. Isso acontece porque às vezes a informação não está acessível, o que prejudica ainda mais a por vezes baixa qualificação técnica e política para participar dessas instâncias”, refletiu.

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