Concentração na radiodifusão é alvo de denúncia na CIDH

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Na última semana, a ARTIGO 19 viajou até Washington, nos Estados Unidos, onde participou da 154º sessão de audiências da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão vinculado à Organização dos Estados Americanos (OEA). As audiências são um dos instrumentos possíveis para que organizações da sociedade civil denunciem violações aos direitos humanos que ocorrem em países membros da OEA.

A ARTIGO 19 participou de três da série de audiências realizadas para debater violações à liberdade de expressão. As duas primeiras ocorreram no dia 16, e tiveram como tema as sistemáticas violações ocorridas nos protestos de rua e a concentração no sistema de radiodifusão dos países da região. Já a terceira ocorreu no dia 20 e tratou do desrespeito dos direitos da criança e do adolescente pela mídia e pelos Estados.

As audiências regionais evidenciaram que muitos países da região passam pelos mesmos problemas e desafios para a efetivação e garantia da liberdade de expressão. Entre estes, a questão da concentração dos meios de comunicação apareceu como um mais importantes, uma vez que o continente vive um momento político em que muitos países discutem o tema internamente.

O problema foi levado por diversas organizações da região, que apresentaram dados referentes ao tema e demonstraram como a concentração acarreta a ausência de pluralismo e diversidade nos meios de comunicação, gerando um grave déficit democrático na região.

Chegou-se ao conhecimento da CIDH que na Guatemala uma única entidade controla 100% dos canais de TV do país. E que no Chile apenas dois canais possuem 100% da audiência – sendo que um deles é um conglomerado estrangeiro.

A situação do México também foi relatada. Lá, as duas principais empresas de TV que dominam o mercado de radiodifusão possuem um grande número de representantes na Câmara de Deputados e no Senado, conhecidos por formar a “telebancada” Trata-se de um elemento que exprime bem a relação fisiológica entre mídia e política no país. .

Sobre a situação do Brasil e sua já conhecida concentração midiática, foi apresentado que quatro famílias controlam mais da metade das geradoras e transmissoras do país, dentre elas a Família Marinho, da Rede Globo, emissora que sozinha possui 40% da audiência nacional e 70% do mercado de publicidade. Além disso, também foi denunciado o chamado “coronelismo eletrônico”, expressão cunhada para designar a posse de emissoras de rádio ou TV por políticos. Ainda que a Constituição Federal proíba explicitamente a prática de apropriação de emissoras de rádio ou tv por congressistas, 40 deputados e senadores são donos de ao menos um veículo de radiodifusão no país.

Para as organizações presentes, como a ARTIGO 19, não há dúvidas que a concentração da radiodifusão é um problema que afeta a democracia. Ao se privilegiar outorgas a determinados grupos econômicos e políticos se está cerceando a liberdade de expressão e o acesso à informação de uma maioria. Diante desse cenário, as organizações mostraram a importância de a CIDH apoiar e criar parâmetros claros para a regulamentação da radiodifusão no sentido de coibir e prevenir a concentração, e assim promover pluralismo e diversidade nos meios.

Ainda segundo essa linha de raciocínio, o Estado tem o dever de garantir que os diferentes setores de radiodifusão – comunitários, públicos e comerciais – tenham condições igualitárias de acesso ao espectro eletromagnético. Essa igualdade deve ser obtida por meio de ações do poder público que impeçam a concentração da radiodifusão, e que promovam ainda medidas positivas de forma a garantir espaço no espectro e a sustentabilidade dos meios atualmente marginalizados.

Outros temas

Também no dia 16, a ARTIGO 19 participou de audiência sobre a crescente onda de criminalização e repressão a protestos no continente americano.

Sobre o Brasil, foi exposto que a criminalização de manifestantes vem sendo um dos dispositivos centrais na tentativa de reprimir atos públicos, seja através de acusações de desacato ou mesmo por meio de inquéritos tendenciosos. Falou-se ainda sobre o uso sistemático, irregular e arbitrário de armamento menos letal por parte de forças policiais durante protestos, com intuito de causar dano permanente em manifestantes e jornalistas. Nas favelas e periferias a repressão é ainda mais acentuada pelo uso massivo de armamento letal.

Já em audiência no dia 20, a ARTIGO 19 denunciou as violações aos direitos da criança e do adolescente na mídia. Entre as violações expostas, estão a exploração das crianças por meio de publicidade comercial, a exposição indevida da identidade de crianças e adolescentes acusadas de atos infracionais e a exposição a conteúdo violento ou de apelo sexual.

Apesar das extensas garantias aos direitos das crianças e adolescentes nos tratados internacionais de direitos humanos – como a Convenção de Proteção dos Direitos de Crianças e Adolescentes a e Convenção Americana de Direitos Humanos –, ainda é possível constatar na região um vácuo legal e uma ausência de políticas públicas para que os meios de comunicação também desempenhem um papel na proteção e promoção da liberdade de expressão de crianças e adolescentes.

O imbróglio envolvendo Classificação Indicativa no Brasil – política pública que vincula o horário de exibição de programa de acordo com a faixa etária adequada – também foi apresentado.

Atualmente, o Supremo Tribunal Federal (STF) julga uma ação proposta pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) que pede a inconstitucionalidade da política. Quatro ministros do STF já manifestaram voto a favor do pedido, o que beneficiaria as emissoras de televisão.

Em dezembro do ano passado, mais de 80 organizações da sociedade civil – entre as quais a ARTIGO 19 – assinaram nota em defesa da manutenção da Classificação Indicativa e pediram uma audiência pública no STF para discutir o tema.

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