Carta ao CGI.br sobre o Internet.org

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Diversas entidades da sociedade civil que participam da campanha “Marco Civil Já”, incluindo a ARTIGO 19, entregaram, no último dia 24, uma carta ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) cobrando que o órgão se manifeste sobre o projeto do Facebook intitulado “Internet.org” –  iniciativa anunciada como tendo o objetivo de prover internet a populações pobres e de áreas isoladas.

A carta pede a realização de uma reunião aberta a fim de retomar a discussão sobre o projeto no conselho do CGI.br, que não se manifestou em sua última reunião, no final de julho, por falta de consenso entre seus integrantes.

No entendimento das entidades, “a manifestação do CGI.br é oportuna e relevante, tendo em vista o papel que o Marco Civil da Internet atribuiu ao órgão no que diz respeito à gestão da internet no Brasil e da expectativa gerada com a resposta do Facebook após os questionamentos feitos pelo conselho”.

Desde que o governo federal anunciou publicamente a parceria com o Facebook, durante a Cúpula das Américas no Panamá, em abril, o Internet.org tem sido alvo de diversas críticas.

Segundo entidades que atuam em prol da liberdade na internet, o projeto é ilegal por contrariar a garantia de neutralidade da rede, por fornecer acesso à internet restrito a determinados aplicativos e conteúdos e por violar o direito à informação. Além disso, o projeto também incide em publicidade enganosa ao omitir seu teor comercial por trás da denominação “.org”.

O objetivo real da parceria firmada entre o Facebook e o governo, sob o pretexto de inclusão digital, é o de fisgar usuários para a plataforma e para as empresas parceiras que atuam na camada de infraestrutura e na camada de conteúdos e aplicações. Outra violação do projeto se dá na seara nos direitos do consumidor, já que ele desrespeita as regras da liberdade de escolha e da proibição de venda casada, uma vez que quem define os provedores de conexão e os aplicativos a serem acessados é o Facebook.

Em maio, 34 entidades e ativistas já haviam entregue carta à presidente Dilma Rousseff com críticas ao Internet.org, implementado pelo Facebook em países da América Latina, África e Ásia.

Veja a íntegra da carta endereçada ao CGI.Br abaixo:

                São Paulo, 24 de agosto de 2015

Ao Comitê Gestor da Internet no Brasil,
Att.:     Prof. Virgílio Augusto Fernandes Almeida
Presidente do Conselho
C/c ao Sr. Secretário Executivo – Harmut Glaser
Ref.: Projeto Internet.org

Prezados Conselheiros

Diante da divulgação do ocorrido na reunião mensal do Comitê Gestor da Internet no Brasil do dia 31 de julho¹ nós, um grupo de organizações da sociedade civil, especialistas em tecnologia, direitos do consumidor e direito à comunicação comprometidas com a defesa da liberdade e direitos na Internet, decidimos externar nossa preocupação a respeito da ausência de manifestação do CGI.br sobre o projeto Internet.org, da empresa Facebook, no Brasil.

Entendemos que a manifestação é oportuna e relevante, tendo em vista o papel que o Marco Civil da Internet atribuiu ao CGI.br no que diz respeito à promoção da racionalização da gestão, expansão e uso da internet no Brasil e, mais, diante da expectativa gerada com o questionamento que o conselho endereçou ao Facebook, que, como também foi noticiado, foi respondido pela empresa.

Aproveitamos a oportunidade para externar resumidamente nossa posição quanto às ilegalidades relativas ao Internet.org pelas razões abaixo:

1.      Violação da neutralidade de rede, em virtude do acesso restrito a determinados aplicativos e não livre à toda a internet;

2.      A denominação do projeto confunde o usuário final e passa a ideia errada sobre o que de fato o Internet.org fornece. O Facebook não está oferecendo a internet como um todo, mas, como já foi dito, apenas a uma pequena parcela dela que acaba passando pelo seu crivo antes de ser disponibilizada. Ao mesmo tempo, a iniciativa não pode ser definida como “.org”, já que tem viés claramente comercial voltado a estimular a contratação de serviços ofertados na internet;

3.      Viola o direito de escolha do consumidor, pois quem define o provedor de conexão à internet e as aplicações a serem acessadas é o Facebook;

4.      Representa vantagem anticoncorrencial, pois privilegia determinadas empresas, comprometendo a inovação.

Além disso e principalmente, questionamos a adequação das finalidades do projeto Internet.org com os objetivos de inclusão digital, nos termos do Marco Civil da Internet e Plano Nacional de Banda Larga.

Ressaltamos que não temos o objetivo de nos opormos a modelos de negócios do Facebook ou qualquer outra empresa, contanto que não firam os direitos dos cidadãos e dos consumidores protegidos pela legislação vigente e contrariem o interesse público.

Porém, não acreditamos que o Estado deva permitir iniciativas que limitem o acesso à informação de forma autocrática e com viés de modelos de negócios com a justificativa da sustentabilidade, pois, tal permissão além de ir contra os princípios defendidos no MCI, também vai contra os princípios norteadores para uma governança da internet de forma plural, permitindo que toda a sociedade possa ser partícipe nos processos decisórios de qual internet todos nós queremos, subjugando principalmente os cidadãos de baixa renda a um acesso discriminatório, excludente e restrito.

Neste sentido, requeremos que a questão seja objeto de uma reunião aberta, a fim de retomar a discussão no conselho do órgão para que haja algum tipo de reação do CGI.br à questão, que envolve aspectos fundamentais que impactam diretamente a integridade, o desenvolvimento e o futuro da internet no Brasil.

Colocando-nos à disposição para esclarecimentos, esperamos resposta desse Comitê Gestor da Internet no Brasil.

Assinam esta carta:    

ACTANTES
ARTIGO     19
Barão de     Itararé – Centro de Estudos da Mídia Alternativa
Centro Cultural Coco de Umbigada – Olinda/PE
CIBERCULT – Laboratório de Comunicação Distribuída e Transformação Política – ECO UFRJ
Clube de Engenharia
Comunidade Curitiba Livre
Coletivo Digital
Coletivo Locomotiva Cultural
Coletivo Soylocoporti
FotoLivre
Fora do Eixo
Fundação Blogoosfero
Hackagenda
IBIDEM – Instituto Beta para Internet e a Democracia
InCiti – Inovação e Pesquisa para as Cidades – Universidade Federal de Pernambuco
IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
Instituto Bem Estar Brasil
Instituto     Brasileiro de Políticas Digitais
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
LABIC – UFES
Mídia NINJA
Movimento Mega
Núcleo do Barão de Itararé no Paraná
ParanáBlogs – Associação dos Blogueiros e Ativistas Digitais do Paraná
PROTESTE – Associação de Consumidores
Rede Espírito Livre
Software Livre Brasil
TIE-Brasil

¹Internet.org:     Por falta de consenso, CGI decide não se manifestar http://www.telesintese.com.br/internet-org-por-falta-de-consenso-cgi-decide-nao-se-manifestar/

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