Em nota, entidades criticam posição do Ministério das Relações Exteriores

Em nota publicada nesta quarta-feira (31) e assinada por 54 entidades da sociedade civil, o Comitê Brasileiro de Direitos Humanos e Política Externa, da qual a ARTIGO 19 faz parte, critica a resposta do Ministério das Relações Exteriores (MRE) ao comunicado divulgado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e o Alto Comissariado de Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) em repúdio às violações cometidas pelo Estado brasileiro nas últimas semanas.

Na última sexta-feira (26), a CIDH e o ACNUDH se manifestaram conjuntamente condenando a violenta repressão policial empregada em protesto que reuniu milhares de pessoas em Brasília no último dia 24, além da chacina de dez trabalhadores rurais cometida por policiais na cidade de Pau D’Arco (PA) e da ação policial na região conhecida como “Cracolândia”, no centro de São Paulo, realizada no último dia 21.

Na resposta, o MRE afirmou que a ação do Governo Federal durante a manifestação em Brasília “garantiu a integridade física de milhares de servidores públicos e de manifestantes pacíficos”. Disse também que a citação do episódio ocorrido no Pará “beira a má-fé”, e que a nota dos organismos internacionais tenta capitalizar as ações das autoridades de São Paulo “para fins políticos inconfessáveis”.

Já na nota publicada na quinta, o Comitê classifica a forma de abordagem do MRE como “desrespeitosa” e “destemperada”, defendendo a condenação pública ao Estado brasileiro feita pela CIDH e ACNUDH.

Leia abaixo a íntegra da nota:

O Comitê Brasileiro de Direitos Humanos e Política Externa e as organizações que assinam este documento consideram gravíssima e destemperada a atitude do governo brasileiro em relação ao comunicado conjunto¹ da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e do Escritório Regional para América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH). No comunicado, emitido em 26 de maio de 2017, as entidades condenam o uso excessivo da força durante as manifestações e em operativos de segurança no Brasil.

A linguagem desrespeitosa e agressiva adotada pelo Itamaraty se distancia demasiadamente da postura que se espera de um país membro do Conselho de Direitos Humanos da ONU e que se diz comprometido com a proteção internacional dos direitos humanos. Ao dirigir-se de forma a menosprezar e questionar a boa-fé da CIDH e do ACNUDH, o governo de Michel Temer demonstra preocupante desconsideração com dois dos principais organismos internacionais e regionais de direitos humanos que se dedicam ao tema.

Ademais, a reação ofensiva do Ministério das Relações Exteriores (MRE) indica desconsideração aos princípios tradicionalmente conferidos à política externa brasileira, como o multilateralismo e a valorização do direito internacional.

A condenação pela CIDH e ACNUDH do uso excessivo da força é pertinente uma vez que o país padece desse abuso de forma crônica e estrutural. A falta de protocolos claros e públicos sobre uso da força por agentes de segurança, os inúmeros casos de permissividade por parte do poder público frente à ação e repressão violenta da polícia e o modelo de segurança pública anacrônico, militarizado e que privilegia o confronto com cidadãos, são elementos notórios da violência institucional que persiste no Brasil.

O comunicado conjunto da CIDH e do ACNUDH menciona o violador decreto presidencial que autoriza o emprego das Forças Armadas para garantia da lei e da ordem no Distrito Federal entre os dias 24 e 31 de maio como resposta a manifestações de rua. A revogação do decreto no dia seguinte demonstra a desproporcionalidade de tal ato. Reiteramos e apoiamos o pedido da CIDH e ACNUDH de que a “ação das forças de segurança deve respeitar em todo momento as normas internacionais de direitos humanos”.

A manifestação das entidades internacionais também faz referência à sucessão de violações de direitos humanos em episódios recentes, como uso excessivo da força em operações tanto no marco do conflito de terras como no contexto da remoção urbana de dependentes químicos usuários de drogas ilícitas. Causa-nos preocupação a classificação pelo governo de “cínica” e “fora de contexto” à atitude da CIDH e do ACNUDH de incluir essas violações no comunicado conjunto sobre uso excessivo da força.

De acordo com a organização Global Witness², o Brasil é o país mais perigoso do mundo para o ativismo ambiental. Além disso, segundo a Comissão Pastoral da Terra³, a chacina em Pau D’Arco, que aconteceu no último dia 24, elevou para 37 o número de mortes no campo apenas nos primeiros cinco meses de 2017.

Já a violenta operação de segurança na região da Cracolândia, em São Paulo, foi classificada4 como “desastrosa” pela própria Secretária Municipal de Direitos Humanos, Patrícia Bezerra, que pediu exoneração após o episódio.

Reiteramos nosso apoio à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. A CIDH possui um vasto histórico de contribuição ao avanço dos direitos humanos no Brasil e em todo o continente americano. O ACNUDH representa o compromisso do mundo com os ideais universais da dignidade humana e possui o mandato de promover e proteger todos os direitos humanos internacionalmente.

Por fim, cabe reafirmar que a Constituição Federal de 1988 vincula as relações internacionais do país à prevalência dos direitos humanos5 e clamamos para que o Itamaraty se retrate imediatamente pela forma desrespeitosa e descompromissada em que se dirigiu à CIDH e ao ACNUDH, reiterando os compromissos nacionais e internacionais assumidos pelo Estado Brasileiro em matéria de direitos humanos.

Assinam esta nota:

  1.  ABA – Associação Brasileira de Antropologia
  2. ABIA – Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids
  3. Ação Educativa
  4. Aliança Nacional LGBTI
  5. APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
  6. Articulação Justiça e Direitos Humanos (JusDh)
  7. Articulação para o Monitoramento dos DH no Brasil
  8. Artigo 19
  9. ASP – Associação Palotina
  10. Associação de Advogadas Pela Igualdade de Gênero, Raça e Etnia
  11. Associação Tapera Taperá
  12. CAMI – Centro de Apoio e Pastoral do Migrante
  13. Campanha Nacional pelo Direito à Educação
  14. CBDDH – Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensoras e Defensores de Direitos Humano
  15. CENDHEC – Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social
  16. CIMI – Conselho Indigenista Missionário
  17. Circuito de Apoio ao Imigrante
  18. CLADEM/BRASIL – Comitê da América Latina e do Caribe de Defesa dos Direitos das Mulheres
  19. Clínica de Direitos Humanos da Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE
  20. Clínica de Direitos Humanos e Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas
  21. Clínica de Direitos Humanos PUC-SP “Maria Augusta Thomaz”
  22. Coletivo Estadual de Combate à LGBTfobia da APP Sindicato
  23. Comitê Brasileiro de Direitos Humanos e Política Externa
  24. Conectas Direitos Humanos
  25. CONIC – Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil
  26. Conselho Federal de Psicologia
  27. DDH – Instituto de Defensores de Direitos Humanos
  28. FAOR – Fórum da Amazônia Oriental
  29. FIAN Brasil
  30. GAIRE – Grupo de Assessoria a Imigrantes e a Refugiados
  31. GAJOP – Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares
  32. Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero
  33. Grupo Dignidade
  34. IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais
  35. IDDH – Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos
  36. INCIDE
  37. INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos
  38. Instituto EQUIT
  39. Instituto Sou da Paz
  40. ISER – Instituto de Estudos da Religião
  41. Justiça Global
  42. Laboratório de Justiça Global e Educação em Direitos Humanos na Amazônia (LAJUSA)
  43. Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Paraná
  44. Núcleo de Estudo e Pesquisa sobre Deslocados Ambientais – NEPDA/ UEPB
  45. PBPD – Plataforma Brasileira de Política de Drogas
  46. PFDC – Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão
  47. Plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil
  48. RCA – Rede de Cooperação Amazônica
  49. Rebrip – Rede Brasileira de Integração dos Povos
  50. Redes da Maré
  51. RENAP – Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares
  52. SMDH – Sociedade Maranhense de Direitos Humanos
  53. Terra de Direitos
  54. Vigência!

[1] http://www.oas.org/pt/cidh/prensa/notas/2017/069.asp

² Global Witness: https://www.globalwitness.org/en/press-releases/brasil-anfitriao-das-olimpiadas-e-o-pais-mais-perigoso-do-mundo-para-o-ativismo-ambiental/

³ Comissão Pastoral da Terra: https://www.cptnacional.org.br/index.php/publicacoes/noticias/conflitos-no-campo/3801-onu-e-cidh-condenam-chacina-em-pau-d-arco

4 O Globo: https://oglobo.globo.com/brasil/secretaria-de-direitos-humanos-de-doria-se-demite-apos-acao-desastrosa-na-cracolandia-21391046

5 Artigo 4, inciso II.

 

Foto:  Leandro Neumann Ciuffo | CC BY 2.0

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