Entrevista – A importância do direito à informação para as mulheres

Gabriela Rondon
Gabriela Rondon, pesquisadora da ONG Anis

Desde 1999, quando foi fundada, a ONG Anis tem atuado na promoção e defesa dos direitos das mulheres e de outras minorias. Para isso, a entidade elabora pesquisas com o objetivo de nortear políticas públicas, realizam litígio estratégico em causas chave e ainda investem em comunicação, das redes sociais à produção de documentários.

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A ONG se notabilizou pela sua atuação durante o julgamento da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 54, julgada pelo Supremo Tribunal Federal em 2012, que autorizou a interrupção da gravidez para mulheres grávidas de fetos com anencefalia. Toda a estratégia jurídica e de comunicação do caso foi coordenada pela Anis, que chegou a produzir dois documentários sobre o tema: “Quem são elas?”, de 2009, e “Uma história Severina”, de 2010.

Para falar sobre como o direito à informação está relacionado com a efetivação dos direitos das mulheres, a ARTIGO 19 conversou com Gabriela Rondon, pesquisadora e consultora jurídica da Anis. Entre as questões tratadas, estão os direitos reprodutivos e a epidemia do zika vírus.

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ARTIGO 19: Ao longo dos projetos desenvolvidos pelo Anis, vocês percebem que as mulheres enfrentam violações ao direito à informação? Quais são as violações mais comuns e em que situações elas se apresentam?

Gabriela Rondon: Sem dúvida. Podemos citar um exemplo flagrante que é a informação sobre os serviços de aborto legal e o direito à interrupção da gestação nos casos previstos em lei. Esse é um serviço de saúde essencial para a proteção dos direitos reprodutivos das mulheres, mas não existe uma política de Estado para torná-los acessíveis, para fazer com que as mulheres que dele precisam conheçam as formas de garantir seu direito. Realizamos um censo desses serviços em 2015 e constatamos que dos 68 estabelecimentos informados pelo Ministério da Saúde como serviços de referência para o aborto legal, apenas 37 de fato realizavam o procedimento. Há um descompasso entre o que o que a política prevê e o Ministério divulga e o que se disponibiliza na vida concreta.

Quando investigamos em detalhes como funcionam os serviços, vimos ainda várias outras camadas de problemas. Há hospitais que exigem autorizações não previstas pela política para o acesso ao aborto, como boletim de ocorrência, alvará judicial ou ordem do Ministério Público. As mulheres que são confrontadas com essas exigências não sabem que elas são obstáculos ilegais de acesso ao serviço. O censo mostrou também que metade das mulheres não retorna após o primeiro atendimento. Essa pode ser uma das causas da desistência, a falta de informação sobre o que elas podem demandar do serviço.
Como a falta de acesso à informação afeta a garantia dos direitos sexuais e reprodutivos de mulheres que têm maior vulnerabilidade, por exemplo, mulheres pobres, jovens, negras e indígenas?

Qualquer camada de precarização da vida afeta o acesso a direitos com ainda mais intensidade, e assim é com a cor, a renda, a geografia das mulheres. Ainda sobre o censo dos serviços de aborto legal, constatamos que em sete estados não havia nem um único serviço ativo e em apenas quatro deles havia serviços fora das capitais. O imenso interior do país está completamente desassistido, o que impacta especialmente a garantia dos direitos de mulheres rurais. Metade de todos os abortos realizados no país se concentram em um único serviço de referência em São Paulo, o que mostra a concentração da informação e do acesso em uma região rica. Isso sem falar, por exemplo, na implicação que tem a escolarização na possibilidade de acesso à informação. Mulheres negras e pobres são menos escolarizadas que mulheres brancas de classes mais altas, e o acesso à informação sobre direitos espelha essa mesma desigualdade.
Como as violações ao direito à informação prejudica as mulheres afetadas pelo zika vírus?

De forma particularmente grave. A falta de acesso à informação começa sobre as incertezas da epidemia. É preciso que as mulheres saibam o que a ciência já descobriu e aquilo que ainda não desvendou sobre a epidemia. O CDC americano, que é como a Anvisa por aqui, divulga “o que sabemos e o que não sabemos sobre o zika”, mas não fazemos o mesmo no Brasil. Isso é importante, e que seja feito em linguagem acessível, para que mulheres possam compreender os riscos a que estão submetidas ou não e assim tomar decisões reprodutivas informadas.

A informação é o primeiro passo para concretizar os demais direitos violados pela epidemia. E para isso não adianta apenas colocar dados em um site do Ministério, embora seja um passo também necessário; é preciso capilarizar a informação em postos de saúde, hospitais e escolas, em linguagem do mundo. A população mais vulnerável ao vírus é uma população precarizada, habitante de zonas urbanas empobrecidas e zonas rurais do Nordeste do país, e a informação precisa efetivamente chegar até elas.

Que tipo de informação a respeito do zika vírus deveria estar sendo publicada e divulgada para as mulheres e não está? Como isso afeta essas mulheres?

Um exemplo importante é a possibilidade de transmissão do vírus pela via sexual. Muito se fala de mosquitos, necessidade de evitar a acumulação de água parada, mas nos meios de informação oficial do Ministério da Saúde pouco ou nada se vê sobre a transmissão sexual do zika, embora esteja já comprovada. Ou seja, mesmo se a mulher tiver todas as condições de se proteger do mosquito, o que já é muito difícil, se ela não souber que pode ser infectada por um companheiro que não se protegeu, ela está em risco. Isso é informação crucial para mulheres em idade reprodutiva.

 

Foto: Daniel Cima – CIDH | CC BY 2.0

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