Parecer da ARTIGO 19 questiona concessão de licenças de radiodifusão a políticos

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No último dia 31, a ARTIGO 19 protocolou um amicus curiae (espécie de parecer jurídico) junto à ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 379, de autoria do PSOL. A ação movida pelo partido pede que o STF (Supremo Tribunal Federal) declare inconstitucional a prática que permite que políticos com mandatos eletivos se beneficiem de concessões públicas no setor de radiodifusão.

Atualmente, uma série de estações de rádio e canais de televisão em cidades de todas as regiões do Brasil são controladas por parlamentares, o que prejudica a pluralidade nos meios de comunicação, violando assim o direito à liberdade de expressão.

Leia o amicus curiae protocolado pela ARTIGO 19

O principal argumento da ADPF 379, e endossado pela ARTIGO 19, é que o artigo 54 da Constituição Federal estaria sendo infringido, já que afirma, de maneira taxativa, que deputados federais e senadores não podem firmar ou manter contratos com “empresa concessionária de serviço público”, categoria que abrange os canais de radiodifusão.

Outra questão apontada tanto pela ação movida pelo PSOL quanto pelo amicus curiae é a existência de conflito entre os interesses público e privado, uma vez que o processo de autorização de concessão pública na radiodifusão envolve o Congresso. Isto significa que deputados e senadores acabam legislando em causa própria na medida em que autorizam a liberação de concessões públicas de radiodifusão para empresas das quais são donos, ferindo assim outro princípio constitucional: o da impessoalidade.

A ADPF 379 já recebeu parecer favorável da Procuradoria-Geral da República, e pode ser julgada a qualquer momento.

Padrões internacionais

O amicus curiae da ARTIGO 19 lista diversos documentos internacionais para demonstrar os prejuízos à democracia e à liberdade de expressão que a prática proporciona. Entre os documentos listados, está a declaração conjunta adotada em 2003 pelas Relatorias para a Liberdade de Expressão da ONU, OEA e OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa) que diz que “as autoridades públicas que exercem algum poder regulatório formal sobre os meios de comunicação devem contar com salvaguardas contra qualquer interferência, particularmente de natureza política ou econômica”.

Tal afirmação aponta para a necessidade de se preencher uma importante lacuna existente no setor de radiodifusão brasileiro, que seria a criação de um órgão regulador independente da esfera política institucional e com autonomia em relação aos demais poderes. Atualmente, esse órgão inexiste no Brasil.

Entre outras funções, o órgão regulador se encarregaria de gerir a distribuição, a renovação e o cancelamento de concessões de estações de rádio e canais de TV. Hoje, esse processo está nas mãos do Executivo (via Ministério das Comunicações e Anatel) e do Congresso, o que faz com que as concessões sejam utilizadas como moeda de troca.

Essa é a linha argumentativa da Recomendação 23, adotada pelo Conselho da Europa em 2000, que também é citada no amicus curiae da ARTIGO 19. No documento, o Conselho da Europa afirma que “os Estados-Membros devem assegurar o estabelecimento e o livre funcionamento das autoridades reguladoras do setor de radiodifusão através da elaboração de um quadro legislativo adequado para este fim. As regras e procedimentos que regem ou afetam o funcionamento das autoridades reguladoras devem afirmar claramente e proteger a sua independência.”

Para a ARTIGO 19, apenas com um órgão regulador independente é que será possível garantir a pluralidade nos meios de comunicação, elemento este fundamental para que os diversos segmentos sociais exerçam seu direito à liberdade de expressão junto à sociedade.

Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado | CC BY 2.0

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