Sigilo de boletins de ocorrência por 50 anos prejudica controle das polícias

Para entidade que defende o acesso à informação, sigilo deve ser sempre a exceção e pode ser substituído por medidas que garantam a segurança e a privacidade das pessoas

por Rodrigo Gomes, da RBA publicado 17/02/2016

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São Paulo – A diretora-executiva da ONG Artigo 19 no Brasil, Paula Martins, criticou hoje (17) a decisão do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), de impôr sigilo de 50 anos sobre os Boletins de Ocorrência (BOs) e de 15 anos sobre os manuais de atuação das polícias paulistas. Para Paula, a medida pode prejudicar trabalhos de pesquisa sobre criminalidade, assim como o controle da atividade policial pelas autoridades competentes e pela sociedade. “Esse tipo de interpretação é absolutamente prejudicial ao exercício do direito à informação e pode pôr em risco o compromisso com a transparência”, afirmou.

A Secretaria da Segurança Pública (SSP) publicou a medida no Diário Oficial no início do mês. De acordo com o decretou, tornam-se sigilosos por 50 anos o “histórico de registro digital de ocorrência e boletim eletrônico de ocorrência, quando não for possível a proteção dos dados pessoais dos envolvidos e testemunhas”. A medida teria por objetivo evitar a exposição de informações pessoais de vítimas e testemunhas.

Dados de boletins de ocorrência são cruzados com os dados oficiais divulgados trimestralmente pela SSP, por pesquisadores, para analisar, por exemplo, casos de mortes em decorrência de intervenção policial. Ou para conferir se os registros de homicídios ou assaltos batem com os balanços oficiais.

Paula explicou que a questão da privacidade poderia ser resolvida com a colocação de tarjas sobre informações que possam expor a intimidade das pessoas. Algo já previsto na regulamentação da Lei de Acesso à Informação (LAI). “Trechos de BOs que contenham informações relacionas a intimidade, vida privada, honra e imagem podem ser tarjados, de acordo com recomendação do artigo 33 do Decreto 7724/2012 – que regulamenta a LAI –, podendo as demais informações serem tornadas públicas”.

A diretora ressaltou ainda que a criação da Lei de Acesso à Informação preza pela restrição como recurso de exceção. E que no caso dos manuais operacionais das polícias o sigilo não se justifica. “Deve-se considerar que existe um beneficio importantíssimo na divulgação de informações públicas e esse beneficio só pode ser restringido em casos absolutamente necessários. Os manuais são instrumentos essenciais para informar a sociedade sobre os padrões de comportamento esperados dos policiais em determinadas circunstâncias, e se colocam como referência para verificação de irregularidades e abusos.”

Além da possibilidade de verificar a atuação policial, a divulgação dos manuais é importante para fomentar o debate público sobre as melhores práticas a conduzir a ação estatal e o envolvimento dos cidadãos na construção e reedição desses manuais e planos operacionais, segundo Paula. “Tais documentos são, portanto, centrais para acompanhamento pela população das ações da polícia e devem ser tornados públicos para fins de controle social da atividade policial”, disse.

Recentemente, a Artigo 19, com outras entidades que atuam nas áreas de direitos humanos e segurança pública, ingressaram com uma representação cobrando que o Ministério Público paulista exerça sua função constitucional de controlar a atividade policial. “A sociedade precisa saber que o MP tem a obrigação constitucional de investigar os abusos cometidos pela polícia, sejam quais forem. E é consenso que o MP de São Paulo tem sido inerte quando se trata de violência policial em protestos”, afirmou Rafael Custódio, coordenador do Programa Justiça da ONG Conectas.

Fonte: http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2016/02/sigilo-de-boletins-de-ocorrencia-por-50-anos-prejudica-controle-das-policias-1552.html

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