Seminário discute os desafios da elaboração dos ODS

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Evento em São Paulo reuniu representantes de diversas organizações da sociedade civil

Atacar as principais mazelas da humanidade, pautando-se pelo desenvolvimento sustentável, e envolvendo os esforços de 193 países. Essa é a proposta dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), cujo processo de negociação e definição ocorre no âmbito da ONU. Eles estão programados para entrar em vigor no dia 1 de janeiro de 2016, em substituição aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM).

Atualmente, existe um rascunho contendo 17 ODS, fruto do trabalho do Grupo de Trabalho Aberto (GTA), composto por representantes dos países da ONU. Cada objetivo representa um tema diferente e é subdividido em uma série de metas mais específicas. No entanto, a lista dos ODS ainda pode ser alterada durante o processo de negociação, que deve terminar no ano que vem.

Para discutir os ODS, a ARTIGO 19, a Abong (Associação Brasileira de ONGs) e a Fundação Friedrich Ebert realizaram o seminário “Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável: o que está em jogo nestas negociações? Análises e estratégias da sociedade civil”, que aconteceu nesta quarta-feira (10), em São Paulo, reunindo representantes de diversas entidades.

O evento foi dividido em três painéis. Para o primeiro, intitulado “Análise de contexto – o papel da sociedade civil na definição dos ODS”, estavam escalados na mesa Damien Hazard, diretor-executivo da Abong, Iara Pietricovsky, do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), e Alessandra Nilo, coordenadora da ONG Gestos e diretora estadual da Abong em Pernambuco.

Em sua apresentação, Hazard buscou fazer um panorama dos ODM. Estabelecidos no ano de 2000, os ODM tinham um foco maior no combate à pobreza, tendo sido bem sucedido nesse quesito. “O relatório da ONU constata que a pobreza diminuiu, em especial nos países em desenvolvimento, em que o número de pessoas que vivem com menos de 1,25 dólar ao dia caiu mais que a metade”, relatou.

Apesar disso, ele lembrou alguns dos problemas do ODM, ressaltando o caráter centralizador de sua elaboração. “Os ODM foram alvo de muitas críticas por conta da forma centralizada que foram concebidos, o que gerou muita resistência na América Latina, por exemplo. Neste sentido, a participação da sociedade civil na elaboração dos ODS está sendo muito maior.”

Já a fala de Iara Pietricovsky veio imbuída de crítica. Ela lembrou que boa parte dos ODM não foi alcançada pelos Estados que se comprometeram a alcançá-los. “Segundo os relatórios da rede de organizações Social Watch, pouquíssimos países conseguiram completar todas as metas do milênio, sendo que a oitava meta nunca foi enfrentada, porque discutia um outro modelo de desenvolvimento, que ainda persiste sob o nome de ‘economia verde’.”

Pietricovsky questionou ainda sobre a responsabilidade dos países ricos em financiar os programas para se alcançar os ODS. “Durante o período de vigência dos ODM, nenhum país chegou ao patamar de transferência e financiamento que foi acordado, com exceção de alguns. Será que os países os países vão entrar nos ODS também?”

Alessandra Nilo, da Abong, defendeu os ODM, afirmando que sem eles não teria sido possível a transferência de recursos para alcançá-los. “Os ODM foram um grande case de sucesso, entre outras coisas, porque nunca se investiu tanto pra se implementar um documento produzido pela ONU. Isso não se pode ignorar”, afirmou.

Nilo descreveu o processo de negociação para se estabelecer os ODS, mencionando o Grupo de Trabalho Aberto, o Painel de Alto Nível, e o Comitê de Peritos em Financiamento para Desenvolvimento Sustentável – as três instâncias criadas até aqui para se discutir e encaminhar propostas sobre os ODS.  Ao final, disse ainda não ser pessimista. “De fato, a agenda até agora está muito pouco transformativa, mas o jogo só acaba quando termina. Temos ainda mais um ano de negociação pela frente, e não vamos deixar de brigar pra passar o que a gente almeja.”

 

Questões sensíveis

Batizada de “As metas mais sensíveis da negociação dos ODS”, o segundo painel reuniu Paula Martins, diretora-executiva da ARTIGO 19, Rubens Born, da Fundação Grupo Esquel Brasil, Sérgio Haddad, da Ação Educativa, Victor Baldino, do Engajamundo, e Cláudio Fernandes, da ONG Gestos e membro da campanha “Taxa sobre Transações Financeiras”.

Paula Martins revelou que a ideia inicial era que os temas da liberdade de expressão e acesso à informação entrassem na agenda dos ODS, uma vez que na definição dos ODM eles teriam ficado bem distantes. No entanto, o documento proposto pelo GTA teria ficado muito aquém daquilo que seria o ideal.

“Entre os argumentos contrários à inserção do ODS número 16 (que trata de temas relacionados à transparência)estava a de que as metas não eram mensuráveis, o que não é verdade. Também chegaram a afirmar que se tratava de uma pauta dos estados do Norte, gerando uma polarização muito grande durante as negociações”, disse.

Martins fez ainda mais críticas ao documento. “Toda a menção à liberdade de expressão foi completamente cortada. O acesso à informação passou a ser qualificado, submetido à legislação nacional, relativizado com acordos internacionais. Não há referência à liberdade de associação e de reunião, nem à proteção do trabalho da sociedade civil.”

Rubens Born destacou a importância dos ODS, apontando o efeito positivo na sociedade.  “Mesmo que não tenham caráter vinculante, sabemos que ele pode gerar mobilização. Um exemplo é a declaração dos Direitos Humanos, que também não é vinculante, mas que adquiriu uma força histórica”, lembrou.

Abordando a questão das mudanças climáticas, ele criticou a distância entre discurso e prática. “Levamos 30, 40 anos para colocar na pauta da sustentabilidade em evidência, mas ela segue somente na retórica, não se concretiza. Os ODS podem ser uma referência para vermos se estamos caminhando em direção a um mundo que ruma para a mudança climática ou não.”

Já Sérgio Haddad problematizou as pautas da educação nos ODS. Segundo ele, já há outros acordos em nível internacional que trazem metas mais avançadas que as que constam nos ODS. “A minha sensação é que, no plano da educação, os ODS chegaram a um certo teto. A tendência é os educadores se focarem em outros acordos mais específicos.”

Ele ainda criticou o processo participativo para a formatação dos ODS. “Todos esses temas estão vinculados a um modo de participar que exige dinheiro, conhecimento complexo, alianças internacionais, domínio de língua. Muita pouca gente pode fazer isso, o que torna a participação muito difícil”.

Representando a juventude, Vitor Baldino, apresentou o Engajamundo, organização que reúne jovens do Brasil e da qual é membro. Segundo ele, a organização, que começou como um comitê universitário para a Rio+20, tem como um dos objetivos inserir a juventude no âmbito internacional das políticas públicas. “Temos um grupo de trabalho específico para os ODS. Defendemos garantir a efetividade da municipalização dos ODS e a criação de indicadores feitos por jovens para jovens”, contou.

Já Cláudio Fernandes expôs sobre as reuniões do Comitê de Peritos em Financiamento para Desenvolvimento Sustentável, as quais acompanhou.  Ele apontou alguns dos problemas levantados durante o processo. “Um ponto polêmico discutido é que a ajuda oficial pelo desenvolvimento nos últimos anos, praticada pelos países ricos, foi identificada como não sendo suficiente para alcançar o desenvolvimento sustentável. A volatilidade da contribuição da ajuda aos países pobres os colocou em vulnerabilidade”, apontou.

Governo brasileiro

O último painel, chamado de “Roda de diálogo com governo”, trouxe à discussão representantes do governo brasileiro que participam do processo de elaboração dos ODS. Na mesa estavam André Calixtre, da Secretaria Geral da Presidência da República, e Mário Mottin, negociador brasileiro no Comitê de Peritos em Financiamento para Desenvolvimento Sustentável.

Falando sobre o documento elaborado pelo governo brasileiro para orientar as negociações dos representantes do país nos ODS, Calixtre fez questão de mencionar que a participação da sociedade civil foi de grande importância. “Com a participação de representantes da sociedade civil ficou claro que a agenda global deveria fazer um salto de qualidade em relação aos ODMs,  estendendo o foco do combate à pobreza do combate ao combate à desigualdade”,  afirmou. “A ideia desse é que esse documento fique aberto a sugestões no site do Itamaraty”, concluiu.

Em sua fala, Mottin ressaltou a dificuldade que é elaborar um acordo que passe pela assinatura de todos os 193 países da ONU, justificando a natureza “enxuta” do atual rascunho dos ODS. “A lista dos ODS tem que ser o mínimo denominador comum para que todos os países possam assinar.” Ele ainda especulou sobre a chance de que os 17 ODS sejam reduzidos. “Comenta-se que o secretariado geral da ONU teria mencionado que 17 objetivos é um modelo muito ampliado, que o salto em relação aos ODM vai ser muito grande, e que seria difícil acompanhar todos esses objetivos. Então seria necessário reduzir o documento”, alertou.

O prosseguimento das negociações sobre os ODS deve ser agora discutido na Assembleia Geral da ONU.

Foto: Abong

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